1.8.02

NADA COMO UM DIA
APÓS O OUTRO…

Acordei super-disposto para mais um dia de gravação de “ Adivinhe quem vem para o jantar” o video gonzo-dogma 1,99, que tou produzindo com o Rabu, misto de pegadinha com reality show e o bom e velho comando da madrugada. O roteiro do dia era invadir uma Vernissage de um artista que eu nunca tinha ouvido falar e depois ir pro show do Reggae B, banda idealizada por Bi Ribeiro que conta com o mestre dos freestyles Gustavo Black Alien.

Fiquei sabendo depois pelo jornal (porque os dois eventos sairam no jornal… pra tu ver!) o artista era o Flávio Colker, fotógrafo e videomaker com várias bandas no curriculo, ah então por isso que o evento tava num esquema museu do BRock 80. O MC Rabu Gonzales (ex-Speedy Gonzales e ex-MCs HCs agora no projeto Lato Crespu) que é o apresentador do vídeo o tempo todo entrava na galeria, entre uma cerveja e outra e se posicionava de maneira que eu enquadrasse a Marina Lima ou outra gatinha. Lá pelas tantas resolvemos avançar pra cima da Paula Toller, simpaticissíma e bela como um vinho tinto, que terminou entrevistando-nos e apoiando o projeto.

- Jornalistas podem ser bem desagradáveis…

Frizando o PODEM, lógico. Rumamos do Jardim Botânico até o Ball Ruim, descendo o bairro a pé, turbinados pelas muitas cervejas na faixa (os garçons não pareciam tar querendo trabalhar, e ficavam circulando sem parar, de maneira que tinhamos de nos apressar pra beber também). Depois do tumulto pra invadir a casa, finalmente o show começa e descobrimos que teriamos a participação de grandes astros dos anos oitenta na parada.

Além dos Raggas entoados pelo vozeirão do Gustavo Black Alien rolou o Dread Lion cantando algum cover obvio do Marley (fugindo da intenção da banda que era de tocar lados B, como Sizzla, Lee Perry e outros), Nando Reis atacando de “Punky Reggae Party” e “Quero meu sangue” (sua versão do clássico Harder They Come do Jimmy Cliff), Jorge Israel nos metais e um freestyle com Don Negrone do 3Preto (grupo de rap carioca também conhecido como “3Preto no Mínimo”). Daí quando a fita e a bateria da câmera tavam pra terminar a chegada do Hebert Vianna é anunciada.

A esta altura o João Barone já tava na bateria, com o Hebert lá na frente, de cadeira de rodas, guitarra e impressionante bom humor e emoção. Juntando com a galera dos Naipes ( dentre eles broder Bidu) e o Fera nos teclados tinhamos praticamente um show do Paralamas, lá pelas tantas o Dado-Villa Lobos também invadiu os teclados. Hebert começou atacando com “A Novidade”, animando pacas a platéia. Em seguida uns covers do UB40 e “Meu Erro” (uma das únicas músicas que me marcaram mesmo nos anos oitenta, quando eu não tinha nem dez anos e não me ligava muito em som), um show onde não precisava de muita química pra reagir ao vibe entre palco e platéia. Finalmente, antes de mandar uma inédita, agora só no trio original, o Hebert se dirige a platéia:

— Agora vamos a um passado mais recente, depois que a cabeça do malandro aqui voltou a ter um mínimo operacional

Parece que o disco tá no forno. O refrão de “Calibre” dizia algo como “eu não sei de onde vem o tiro/ Vivo sem saber até onde estou vivo/ Eu não sei o calibre do perigo”, nada de cabecismos ou rodeios, apenas a direta exaltação do espírito de viver e sobreviver à vida, atirando-se, levando tudo às últimas consequências. Afinal se você não sabe o que o futuro lhe reserva, o que fazer? Temer enjaulado em seu mundinho de paranóias particulares ou atirar-se heroica e corajosamente na vida!? Pra mim é isso, agir de coração e mente sintonizada, sem nada a temer. Só sei que todos voltamos para casa carregando no coração a certeza de ter participado de um show histórico, e eu particularmente me animava mais, visto que salvo o Jorge Israel de câmera em punho no palco, eu era o único que tinha registrado aquilo em Mini-DV...

No dia seguinte, quando tou assitindo o “Up in Smoke Tour” junto com um amigo dos tempos do colégio o telefone toca e é o Lariú, mentor do selo independente “midsummer madness” e peça-chave do núcleo carioca da MTV. Como o cara é um camarada que sempre dá força paras as inciativas independentes aqui no Rio, negociei com ele um acordo justo e na moral por alguns trechos do show, marcando uma reunião pro dia seguinte. Dai eu vou ao encontro do Rabu e vamos entrevistar a próxima vítima do nosso vídeo, o cartunista gaúcho Allan Sieber.

- Cara! Inventei esse papo de 1,99 pra fazer animações sem grana, mas ninguém seguiu o movimento. Bando de cuzão que só pensa em dinheiro... Legal vocês estarem querendo fazer algo parecido em vídeo...

No caso o herege se referia ao meio de produção da Tarja Preta Terrorismo Editorial, que comunga de muitos motes com o manifesto Dogma 1,99, em especial no espírito: VAMOS LOGO QUE EU TOU COM PRESSA! Daí no meio da entrevista o telefone toca!

- Porra! Tu tá perdendo dinheiro rapá! – Era o Zé Felipe, DJ da notória festa A MALDITA, onde ocasionalmente faço umas aparições como Selecta da Fiesta Cucaracha – Acabou de dar a volta do Hebert no RJTV, só que os caras não tinham imagem do show, só umas fotos toscas cedidas pelo Ball Ruim, se tivesse se ligado a tempo, conseguia vender pro RJTV e até o Jornal da Globo…

Puta que pariu, era verdade, como é que eu dou um mole desses? Bem, era tarde demais para qualquer um desses meios, talvez se eu corresse até o Jardim Botânico… Nada disso! O certo a fazer é ir direto na fatia grossa. Qual foi a última vez que eu vi o Hebert na televisão? Sim, foi no FANTÁSTICO o recorde de audiência do jornalismo-entretenimento Brasileiro (a não ser na época que tinham aquela putaria toda rolando na casa dos artistas). A produtora lá da Toscographics consegiu pra mim um telefone da produção do FANTÁSTICO, e lá fui eu discar, atendido primeiro por um sujeito que não se identificou…

- Oi... Err... Meu nome é Matias, eu sou cinegrafista... Tipo assim, filmei ontem um show que teve com o Paralamas ontem. Digo, o retorno do Paralamas, um show surpressa com o Hebert Vianna, o primeiro desde o acidente. Gravei em Mini-DV e visto que no jornal nacional não tinha imagens, só foto, acho que vocês se interessariam em COMPRAR minhas imagen...

- Um momento…

(...)

- Quanto tempo de fita?
- Uns dez minutos…
- A qualidade tá boa!?
- Mini-DV! Tá ótima… é do meio da multidão, mas tá legal… o Audio também tá ótimo.
- Audio e Video ótimos…
- Isso…
- E você quer vender!
- É!
- Por quanto!?
- Bem, isso nos ainda temos que negociar certo!?
- Vou te passar com a pessoa certa pra você falar sobre isso!
- Ok!

No meio tempo resumo a situação pra galera que me acompanhava e pilhava, para ter certza das decisões a tomar. Com a Globo não se brinca!

- Oi, aqui é a Roberta, quem tá falando!?
- O Matias…
- Matias Maxx?
- Sou Eu!
- Sabia que era você… te vi filmando lá ontem!

(???)

- Err… legal… é… Eu te conheço!?
- Você escreve num site né!? Escrevia…
- Eu já escrevi em vários lugares…
- Já sei! Eu fiz assessoria no Humaitá Pra Peixe. Você fez o zine do evento junto com a Pátricia né!?
- Isso!
- Então… é o seguinte! O Jorge Israel gravou o show, e topou ceder as imagens pra gente numa boa. A gente tava só dependendo da autorização do empresário. Mas se você quizer DOAR as imagens a gente também te credita numa boa.
- Peraí! DOAR!? Eu tou quase fechando um negócio com a MTV e vocês me falam em DOAR!?
- É que nós não temos dinheiro… A gente não costuma comprar imagens, não trabalha assim…

Puta que pariu, o FANTÁSTICO que compra documentários, programas e gente de todo o planeta não poderia garantir alguns barõezinhos pra um podre documentárista fudido e sem grana?!? Um Matias Maxx com crises familiares sob o julgamento “arruma um emprego decente ou perde o apê!”. Negar fogo com todas aquelas cotas publicitárias em mãos!? Confesso que fiquei meio puto… Mas não ia deixar isso transparecer pra simpática e amigável chica, de certo quem vetou a grana foi algum diretor, achando que Matias Maxx é moleque…

- Sabe Roberta, na boa, é que eu sou jornalista… Tipo assim, já publiquei no Globo, na Veja, na Showbizz… Pô, não vai ser pro FANTÁSTICO que eu vou trabalhar de graça!
- Entendo… Olha, eu vou ver aqui com meu diretor, me dá seu telefone que eu te retorno…

Mais tarde a muchacha retornou, ainda tentando me persuadir falando a respeito de que eu podia fazer o negócio com a MTV e doar as imagens pra eles, porque eles não são concorrentes diretos, e que meu nome teria uma exposição em todo território nacional. Num dos programas de maior audiência… Pensei em como meu nome no FANTÁSTICO seria bom pra melhorar os conflitos internos dentro de casa. É sempre bom dar pra mãe e avós motivos pra se orgulhar. Mas ao mesmo tempo lembrei da família que tenho e que eles iam me tirar de otário pro resto da vida por ter DADO IMAGENS pra uma corporação. Bah, eu não já falei tanto em atitude!? Aliás, tenho que ter consciência de classe, é foda, todo mundo pensa que artista no Brasil tem mais é que trabalhar de graça até virar fodão. Mas peraí, ninguém aqui é, ou quer ser, Playboy. Ninguém aqui tem apoio de banco ou conchavo com multinacional. Tamos falando de um registro histórico e não de um Fanzine, que você quer mais é que se divulgue. Eu definitivamente não tava afim de doar essas imagens de graça pro arquivo da Globo, para que daqui há uns anos alguém no interesse de fazer um documentário vá pesquisar no CEDUC (é isso mermo?) e COMPRE deles as imagens por mil reais o minuto (é esse o preço, chequei com o pessoal da Tosco, que teve de comprar umas imagens pro “Eu Te Odeio Peréio”). Não… Eu não ia dar o braço a torcer, me desculpei da simpaticissima colega de classe, prometendo ligar no dia seguinte quando todo mundo da produção do FANTÁSTICO esteja por lá e tentar renegociar o babado.

Há um ano atrás mais ou menos, um amigo recém desempregado veio ao Rio pra uma entrevista de emprego; neguinho se amarrou na dele, mas enrustiram o preço, alongaram a reunião e pediram pra ele voltar no dia seguinte. Levei o puto pra balada, uma fiesta cucaracha diga-se de passagem, dai que no meio da madruga ele olha pro relógio, aponta a hora e me diz – Sabe quando a gente tava na tua casa? Tu me mostrou aquela Caros Amigos do Angeli; pois é a revista é um saco, mas lá ele diz uma coisa muito boa, diz que se recusou a fazer um “plim-plim” de graça! Porra de graça só pra fanzine de moleque, pruma corporação jamais!. O Cara voltou pra casa no dia seguinte, ignorando a reunião. Muita gente não deve ter entendido direito e tirado de loki. Mas pra mim o tio foi herói.

Ia ser ótimo descolar uma grana assim. Porque o orçamento todo tá indo embora em fitinhas de Mini-DV a 14 contos na Uruguaiana. Grana que tenho economizado percorrendo altas distâncias a pé e comendo nos picos mais populares possíveis, como o MacLapa, a crise mundial e a porra da copa do mundo fuderam com o trabalho de todo o mundo, mas a certeza de que os bons frutos virão até o verão é certa. Segui meu rumo com o Rabu, subindo as ladeiras de Santa Tereza pra entrevistar o Bernardo Black, vulgo B.Negão, recém chegado da América do Norte e com muitas histórias pra contar. No caminho a certeza de que as coisas estão se desenrolando muito, muito bem… E certamente muito mais coisa boa há de rolar… Dia após dia, minuto após minuto.

Paz!

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