17.6.02

Enfim na íntegra:

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)



Parte I – Desembarcando com a Família

Chovia e fazia frio na manhã da quinta feira dia 23 de Maio, o que tumultuava todo o trânsito em direção ao Aeorpoto do Galeão. As brumas que cobriam o céu nada lembravam o ensolarado cenário de uma semana atrás, quando torrava no posto nove divertindo-me com as peripécias do Acharcador, um viciado que fica andando em círculos por Ipanema, sempre colando nas “rodinhas” na esperança de filar um beque. É, o inverno finalmente chegara, desafiando o verão-sem-fim e enchendo minha cabeça de tonterias e desespero. Eu ainda estava longe do aeroporto quando faltava menos de meia hora para o embarque, mas não me preucupava, eu sabia muito bem para onde e com quem iria.

Cheguei no aeroporto junto com a Van da MTV, comprimentei a já conhecida equipe do MM. Lariú e segui pro balcão da TAM, no check-in as reconhecidas figuras do Planet Hempa, virados desde dois shows no canecão, despachavam seu equipamento numa fila repleta de figuras rumo ao MADA (Música Alimento da Alma), clássico festival naquela deliciosa parte do país onde é verão quase que o ano todo. “Ei! Você vai pra Natal? Não vai despachar nada?” perguntava um clone da Cássia Eller, que por razões de excessos de bagagem despachava seu equipamento e malas na aba dos jornalistas. O Caio, um dos roadies do Planet usava um casaco com gorro, cachecol e um daqueles bagulinhos de tampar os olhos no avião sobre a boca. A funcionária que guardava a entrada do portão de embarque arregalou os olhos: “Que frio Menino!”. A partir daí começamos a chamar o brother de Talibinha, ou pior ainda, de Jade. O assistente de produção sacaneava “Daqui a pouco ele vai levantar a camisa e mostrar duas granadas malocadas no Soutien”.

Bandas e Imprensa ocuparam boa parte do xexelento Faukker da TAM, sendo todos recebidos com sorrisos pela aeromoça gostosa e olhares cruzados pela legião de engravatados desgraçados. Como o Planet tá sempre mudando de formação, ninguém que não seja do Rio sabe direito quem toca na banda, reconhecendo apenas o D2, o Bernardo (as vezes confundindo-o com o Gustavo) e o Formigão (o Formigão é clássico né?), de maneira de que qualquer outro daqueles malucos de gorro, roupas e cabelos não-convencionais podia ser da banda. Depois de uma breve escala em Salvador, reembarcamos num AirBus melhorzinho. Quando estávamos no Finger (aquele tunel que liga a sala de espera ao avião) pudemos observar o tratamento “delicado” dispensado pelo pessoal da pesada ao embarcar o equipamento. Pelo menos eles não tinham cães farejadores… Recebemos cópias do Jornal A TARDE, que publicava em seu suplemento alternativo uma reportagem sobre o festival “Bananada” realizado em Goiânia há umas duas semanas atrás (cobertura jornalística é isso aê!). Na capa do suplemento e no seu interior, dentre muitas fotos, um retrato do colega Marcos Bragato, fotógrafo e guerreiro do roque pesado e que também estava no avião. A reação da galera foi simultânea, visto que todo mundo foi direto pro suplemento e agora gritava para os outros passageiros – UMA ESTRELA! ESTAMOS VIAJANDO COM UMA ESTRELA!!!

Desembarcamos em Natal abençoados por um sol escaldante. Enquanto uns se juntavam à muvuca que esperava as bagagens, eu que só levava as minhas duas muito pesadas bagagens de mão fui saindo do saguão para procurar a van que nos levaria ao hotel. De cara fui surpreendido por um flash, vindo da câmera de um skatista de mais ou menos minha idade, que logo extendeu um poster do Planet e um pilot atômico para mim. Caralho, era minha oportunidade de tirar uma onda de Pop Estrela, realizando todas minhas fantasias pré-adolescentes de ter uma banda, viajar pelo país e dirigir o autofalante para as massas. Uma experiência do caralho para rir pro resto da vida contando pros amigos. Mas bateu a nóia que em seguida o pessoal do Planet mesmo desembarcaria e poderia me flaglar lançando um MAXX no poster, e também fiquei bolado pelo fã, pois mesmo que eu só tenha pedido autográfos umas duas vezes na vida (pro Manu e pro Gaiman) sabia que não podia pregar uma peça dessas num fã, por mais estúpido que este fosse. É o espírito de lokis como aquele que faz com que a música Pop seja o que é, daí sorri e disse pro moleque que não entendeu direito:

– Véio! Sou só o fotógrafo deles!

Mais tarde, na piscina do hotel, comentaria isso pro Marcelo e o resto da banda que riram pra caralho e disseram algo como

– Porra! Tu deu mole!! Devia ter dado o autógrafo!

A produção do MADA (Música Alimento da Alma) descolou para gente acomodações no Ocean Palace, conhecido pelos nativos como “Oxente Palace”, um puta hotel cinco estrelas que fica na praia (não em frente à praia, mas na praia). O quarto que eu dividia com o Tomate (editor da Revista FRENTE, minha razão pra estar lá) dava para o mar e tinha uma varanda com mesinha redonda, cadeiras e o caralho. Depois de largar meus bagulhos no quarto fui explorar as mediações da piscina e da praia, sendo abordado de cara por uma garçonete charmosa de orelhas pontudas perguntando que dia eu iria tocar e que dia ela recomendava de ir, é claro que respondi Planet para as duas questões.

– Não sei… Meu namorado disse que é muita loucura… mas eu gosto de algumas coisas, eu fui no Charlie Brown Jr. uma vez…

Caralho! Porque elas sempre tem que deixar claro que são comprometidas!? Será que é algum sinal!? E porque o CBJr é tão popular assim!? Pô! Qualquer banda evidente do rio nos anos 90 manda melhor do que esses paulistas da Virgin… Bem, ainda era cedo e eu provavelmente conheceira muitas outras muchachas. A questão que ocupava minha mente então era a admiração e o respeito com que havíamos recebido. Se por um lado normalmente meu cabelo e minhas roupas fazem as pessoas me tratarem como um alienigena, mesmo numa metrópole cosmopolita como o Rio de Janeiro, por outro a partir do momento em que as pessoas me julgavam artista passavam a tratar-me com o maior respeito e naturalidade. E não é por causa da grana, coisa que artista no Brasil tem que penar muito pra ter, eu acho que no fundo no fundo, todos, mesmo os mais caretas admiram nossa função. Mesmo aqueles executivos de merda do avião que nos olhavam com desprezo por invejarem gente que viaja a trabalho com um sorriso de orelha à orelha. Seus preconceitos pequeno-burgueses automaticamente nos classificariam como pessoas desocupadas que não tinham porque estar lá, que não deviam estar lá. Mas a dura realidade em frente aos seus olhos era de que nós estavamos lá, subvertendo os valores caretas, trabalhando na honestidade e ganhando muito bem para isso, seja em grana ou comodidade. Os corporativistas caretas de fachada, os grandes filhos da puta, nos invejam porque ocupamos nosso tempo presenteando o povo com nossa arte, ao invés de roubar-lhes na cara-dura como a gente de sua laia. Nos odeiam porque curtimos as melhores companhias e as drogas mais espertas…

O técnico de som do Planet, na saída do avião virou pra mim e disse – Esses cretinos! Olha como olham com raiva pra gente, como se não tivessemos que trabalhar. Filhos da puta! Só digo que pra olhar desse jeito tem que se garantir – Era um depoimento enfurecido de um sujeito que é o primeiro a chegar e o último a sair dos shows. Eu já tinha visto esse loki em ação, quando ele esgotou a sua paciência com um vagabundo da lapa, batera de uma banda que durante uma época bancava o franelinha na porta dos shows onde a galera toda estaria e normalmente não havia franelinhas. Numa dessas chegou a arranhar o carro de uma mina da galera e ameaçar o MD2. Depois encontrou o tal do técnico e começou a cagar regra de que era sinixtro, e que ia fazer isso e aquilo. – Tu não vai fazer nada teu merda! – Foi o que o técnico disse enquanto quebrava um par de ossos do pilantra… Todo mundo viu o suposto flanelinha de muletas nos dias seguintes… Eu não duvidava do que podia acontecer nquele avião se o executivo continuasse se engraçando…

Eu, mais o Tomate, Lariú e Edgar estávamos no mar quando dois PMs cruzaram a praia correndo de coturno e arma em punho atrás de um pivete. Num pisacar de olhos o menor já estava distante e os canas não tinham nem saído do lugar, correndo num desconforto surreal… Atradicional hospitalidariedade da polícia local, em pocket-show para os turistas. Depois de quase destruir os pulmões de tanto pegar jacaré nos estiramos no deck da piscina pra beber as primeiras cervejinhas do dia e trocar umas idéias. Marcelo e Formigão apareceram e daí o papo cresceu para aquele sem-fim de histórias e situações engraçadas. Uma das mais curiosas foi aquele frequente “onde você estava no 11 de Setembro?”. O D2 tava em LA, aguardando a cerimônia de entrega do Grammy Latino, que não aconteceu. Acordou com sua mina desesperada no telefone, avisando pra ele dos atentados. Reuniu o resto da esquadrilha enfumaçada e procurou matar o tempo, mas tudo estava fechado. Lá pelo meio da tarde quando bandeiras estadounidenses ocupavam cada centímetro quadrado da cidade eles decidiram alugar um carro e rumar pra Tijuana, único lugar onde poderiam ter uma chance de voltar ao Brasil… E o papo perpetuou-se em teorias conspiratórias, a babaquice da polícia, o contexto do tráfico e em como nosso país é um pico onde a força e ignorância sempre falaram mais alto… De lá fui fazer a cabeça no quarto do Marcelo com a TV ligada em algum programa de notícias sensacionalistas que mostrava canas paulistas usando camisetas da Bad Boy efetuando transferências de presos que prometem “desmantelar o PCC”. Eles tentam nos convecer de que isolando esses caras em presídios com bloqueio de celular podem acabar com as quadrilhas que existem há mais tempo do que os próprios celulares… só comédia pra te fazer rir…

Peguei a van da imprensa com o Tomate, naquele espírito aporrinhante de excursão de colégio. O pico do festival é fenômenal, eles isolam o Largo da Rua Chile, pico quentissímo às margens do rio no centro antigo da cidade restaurado num daqueles projetos tão populares nas capitais do nordeste que visam revitalizar as zonas decadentes renovando a pintura dos picos e instalando boates e restaurantezinhos pra atrair a yuppagem. Dai eles fecham essa rua, com todos os bares, boates e restaurantes inclusos, montam dois palcos lado a lado que revezam-se e cobram uns cinco merreis de entrada. Eu não sei a legalidade disso, isolar um pedaço da cidade e cobrar entrada, mas tava do caralho. Naquela primeira noite em especial configurou-se naquele espaço o que poderia ser uma Zona Autonôma Temporária, mas isso é algo que discutiremos depois.

Depois do intragável PF que nos fizeram engolir a maior decepção foi na escalação das bandas, muitos nomes desconhecidos que prometiam surpreender mas no final não passavam clones mal-paridos dessas bandas que misturam rock mal-tocado com regionalismo mal-feito. Na primeira noite do festival, além das cervejas grátis e caipirinhas baratas destacaram-se a instigante dissonância do TOCAIA (som pra quem curte Loló!) e o hip-hop-padrão dos Agregados do Rap, um grupo local, que além dos MCs, B-Boys, Deejay e Grafiteiros contam com uma porrada de agregados que ficam lá só fazendo número e segurança mermo. Ah! E teve o Planet. Já vi suficiente shows da família em diversas formações pra saber distinguir um show irado de um show muito bom. Mas para os marinheiros de primeira viagem, os maconheiros de uma cidade que não tem o costume de tropeçar nesses lokis em qualquer esquina foi de certo um dos pontos altos do festival (o contraponto viria a ser o encerramento, no Sábado com Jorge Ben).

A banda que antecedia o Planet mal estava começando quando eu entrei no camarim e percebi que já estava completamente monstruoso. A minha camisa temática, preta com folhas da cannabis estampadas ajudara-me a fazer enfumaçadas amizades na platéia, o sem-fim de cerveja gelada a nossa disposição nos camarins e palanques da imprensa também não ajudaram muito… Mas eu tinha um foco a zelar, e muita vontade de capturar imagens desse show, de maneira que fui a luta, clicando e gravando o show lá do palco, com uma sensibilidade extraordinária pra música e vendo tudo girar…

Eu já tinha me perdido do Tomate há muito tempo, ele encontrara um antigo colega de quarto de tempos de faculdade que já mora lá faz anos e agora bebia tequilas em algum lugar com meu editor. A muvuca insana da molecada pogando e fumando aliado ao meu grau de embriagez impossibilitava o transito no meio da platéia, uma vez que eu já estava do lado do palco. Ao final do show, não muito tarde, lá pra umas duas, a multidão ainda não tinha dispersado e era impossível achar o meu editor, muito menos me informar a respeito da van da imprensa. Voltei pro camarim a procura do povo do planet e peguei carona de volta pro hotel na van deles recehada de equipamentos e groupies…

Os relatos que vêm a seguir vêm da reconstituição dos fatos montada depois de muita meditação e conversa com outras testemunhas…

Quando a banda encerrava com “Mantenha o Respeito” o Tomate e seu colega, de frente pra aquela cabeçada em movimento estavam certos de que o Lula irá ganhar a próxima eleição presidencial. Não bastasse a empolgação da molecada enfumaçada, o reflexo de uma maioria meio silenciosa e cada vez maior o próprio organizador do evento pogava no meio da galera cantando o refrão do Planet. Terminado o show, o Tomate pegou carona devolta pro hotel com seu broder que ziguezagueava o trajeto todo. Quando cheguei no hotel em família, um grupo de jornalistas rumava pra um posto 24horas para descolar cerveja barata, visto que no hotel custava três reais, eles terminariam a noite embriagando-se vendo o sol nascer na piscina. Eu tava um bagaço, não tenho certeza se de cara não achei a chave do meu quarto pra largar o equipamento, ou achei, largei o equipamento e depois esqueci a chave lá dentro. Sei que fomos curtir no quarto do formigão, onde você cortava a fumaça com uma faca, sorrisos tímidos das groupies espelhavam nossas risadas descontroladas e aquele vidro no meio da bancada da TV ganhava um novo significado.

Hoje em dia o pessoal do Planet é casado legal, sabe-se que alguns nem maconha fumam mais, sendo assim o melhor da festa acaba sobrando pros agregados, pelo menos quando eles têm condições pra isso. Juro que tentei me aproximar de uma das meninas com algum daqueles papos-chaves, onde você faz umas perguntas sobre ela e depois caga a regra de morar na melhor e mais divertida cidade do mundo. Só que quando me aproximei das minas o único que conseguia era guinfar ilegivelmente um bando de abobrinha nonsense e envergonhar o sotaque. Certamente tava na hora de ir embora…

O corredor comprido, cheio de espelhos e iluminação decorativa tornava-se um labirinto, não consegui achar o quarto, muito menos a chave, quando finalmente achei o quarto, ninguém respondia aos meus murros. Guiado pelo olfato e audição consegui voltar para o quarto do Formigão. O Marcelo, que já tava de saída mesmo, resolveu me ajudar, ligou pra camareira e pediu pra ela abrir meu quarto, daí me acompanhou até a porta e ficou esperando a mina chegar e abrir o quarto. Me despedi com o tradicional toque de mãos da galera e entrei na habitação 314 só pra dar de cara com o Tomate estirado na cama tentando assistir a TV em estado de semi-catalepsia.

Tentei manifestar-me, xingando-o por não ter me abrido a porta, mas novamente o que saia da minha boca era um grunhido indecifrável. Para minha surpresa a resposta do editor não foi muito diferente… Na manhã seguinte uma trilha de roupas, garrafas de àgua vazias e pacotes de doces pela metade marcavam nossa cambaleante trajetória pela habitação e uma ressaca dos infernos apavorava, corpo, mente e alma estafada e carente… Por onde andava meu travesseirinho!?

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)


Parte II – Tudo acaba em Mambo

Uma das vantagens de um hotel é que você pode fazer coisas que nunca se atreveria em casa, como sair pingando do chuveiro e atirar-se na cama, de maneira que de uma maneiro ou de outra ela (a cama) está sempre úmida. Minha cabeça doía pra caralho quando o Tomate me acordou pro café da manhã às dez horas. Para variar não achava meus chinelos, de maneira que me meti na minha bermuda florida e uma camiseta qualquer e fui descalço mesmo até o restuarante do hotel, prestes a encerrar o café da manhã. Misto-quente, macaxeira, alguma fruta pra enganar e várias rodelas de linguiça a calabresa que assustaram a mineira gente boa do Autofalante (da TV Cultura). Em seguida voltamos ao quarto para resgatar o soldado ryan e rumamos para o rendentor oceano atlântico. Sensacional, basta um par de caixotes para a ressaca ir embora e o mundo voltar a ser colorido como antes. Depois de perder o folêgo nadando fui de encontro aos demais broders da imprensa e me estirei numa espreguiçadeira para adiquirir o bronzeado que persegue há algumas semanas (tudo bem que no dia eu fiquei parecendo um camarão, mas valeu a pena voltar morenão prum rio de janeiro chuvoso…).

Quando a porra do sol se escondeu (por causa da sombra do hotel) subimos para a piscina cujo bar tinha um balcão virado pro deck e outro pra agua, aqueles que te poupam o esforço de ir ao banheiro. O Miranda, que já tava lá, foi o primeiro a reclamar do axé pentelho que loopava no som desde cedo quando rolavam aulas de hidroginastica. Pois é tratava-se dum desses hoteis que tem animadores e calendário de tarefas para entreter os moleques e velhos sem muita paciência pra sair dos limites paradisiacos do hotel e encarar o selvagem mundo do lado de fora. Dai que eu tava com meu diskman e alguns CDs numa bolsinha de canhâmo que tinha levado pra praia e ofereci ao carinha do bar os dois CDs do Manu Chao (que era o menos ofensivo que eu tinha naquela ocasião, se bem que eu podia ter atacado com o sionismo rastafari de Fidel Nadal). Dai foi aquela coisa, agua até o pescoço, cervejinha, Manu na caixa, sol na caixola e altos papos sobre sons e bandas. Quando você junta uma porrada de jornalista e entendedor de música com alguma sintonia é o bixo, rola uma espécie de competição saudável sobre quem tá ligado em que, quem compartilha as mesmas opiniões sobre sons além das eventuais fofocas acerca bandas e artistas. Descobri que o miranda também tá sintonizado na Batanga, uma rádio cucaracha do caralho, com vários canais divididos de acordo com o ritmo. Fiquei curioso em conhecer mais dos sons Tex-Mex que ele tanto falou e segundo ele “é só treta”…

Dai eu me lembro do século passado, quando gigantes como o Acabou La Tequila e o Funk Fuckers ainda caminhavam na terra. O Zé Felipe da LOUD! e a Cris tinham armado um festival na Bunker, com dois ou três shows na Pista 1, enquanto algum DJ animava a Pista 2, na época em que a atual Pista 3 ainda era um lounge ocupado pela famosa cama da bunker, palco de tantas saudosas e agradáveis putarias. Daí que num dia a atração principal era o Wander Wildner, e o DJ convidado o BêLezão, que não tinha levado em conta que se apresentaria naquele dia com o D2 no outro lado da cidade e só poderia chegar na Bunker lá pelas duas da manhã. Deixar a pista vazia não rolava, o Zébs precisava de alguem pra abri-la, e acabou sobrando pro querido djangobroder que na época tinha acabado de descobrir o poder do Crossfader (até então era mixagem só com o volume… eu disse mixagem!?).

Eu já tinha colocado som na casa da matriz, em festas de amigos e do colégio. Mas a bunker, onde eu teria curtido tantas psicodélicas noites era um desafio, eu não podia cagar no pau. Fiquei na maior função ouvindo os meus então poucos discos de sons latinos e o bando de coisa independente inédita que sempre chegou às minhas mãos graças a minha insistência, na época eu nem tinha vinil. Dai que eu toco das onze até o B.Negão chegar as duas. Meu som de longe se parecia à groovezeira black do DJ oficial da noite, mas consegui encher as pistas várias vezes, tinha feito um voto para só colocar temas em espanhol e português além dos instrumentais, e mesmo quando a pista esvaziava eu estava certo que no bar ao lado, fora do meu campo de visão, um bando de gente fina enchia a cara e jogava totó no embalo do meu som. Não deu outra. Quando o Bernardo chegou empacotei meus CDs do Café Tacvba, Molotov, Manu (desconhecido no brasil na época), Mano Negra e outros que floreavam minha escassa coleção na época e fui pegar uma cerva no bar adjacente, antes que o show começasse.

Dai eu sou abordado pelo Zé Otávio, o Tom Capone e o Miranda, que tavam bebendo no bar adjacente:

- Você que é o DJ que tava colocando som agora pouco!?
- É… quer dizer, eu não sou DJ mas…
- Então cara!!! Parabéns, mandou muito bem nas seleções.
- É… obrigado… Eu sou bem ligado nesses sons latinos…
- Nós também, sabe nós somos produtores!
- É! Eu sei…

Quiz falar do cucaracha pra eles e explicar que na verdade eu era um fotógrafo, um zineiro (ainda não me arriscava a dizer jornalista) e que tava lá só brincando de botar som. Mas eles não me deram muito ouvidos, limitando-se a dar força pro minha carreira como DJ. Bah… DeeJay, jornalista musical, produtor… No fundo é mais ou menos o mesmo, pelo menos na intenção, gente com muito amor à boa música e muito mais vontade de fazer esta chegar ao maior número de ouvidos sintonizados possíveis. É esse o espírito que forja os campeões, não os manés jabazeiros que se contentam em botar um som xarope pra bombar a pista, ou usa uma bunda qualquer pra vender revista ou CD. Outro dia perguntei pro Yuka o que ele achava da Inglaterra estar importando DJs brazucas.

- É uma coisa que eu não entendo. Esses caras compram os discos lá fora, compram os toca-discos e agulhas feitos lá fora e tocam do mesmo jeito que os caras lá de fora. Então esses caras são meros selecionadores de som! Agora, que culpa eu tenho se a gente tem muito mais ouvido do que os caras lá de fora!???

Hoje você vê duas coisas distintas, o DJ e o Selecta. O DJ, ou turntablist é o cara que manipula o vinil, faz do tocadisco um instrumento, o Selecta é um cara que mixa sons, o que não o desmerece, para fazê-lo direito tem que ter um ouvido musical fudido, além de repertório e feeling de sobra. Acontece que hoje em dia com os recursos tecnologicos (MP3, CDR, MD, Mixers com contador de BPM…) e a bestialização da cultura Rave e suas drogas, dá pra enganar muita gente. O que certamente não é o caso de nossos queridos Patife e Marky, Selectas com muito mais ouvido que qualquer gringo como disse o broder Yuka. Eu sou péssimo nas mixagens e minhas tentativas de scratches são medíocres, mas como não tenho pretenção nenhuma, apenas um acervo legal e muito conhecimento de causa me divirto pacas com minhas discotecagens. Uma vez, estava nos finalmentes da fiesta cucaracha na pista 2 da da Maldita, as poucas pessoas na casa estavam estiradas pelos sofás da casa ou cambaleantes demais pra dançar quando chegou um grupo de três casais de patys e boys, eu estava tocando algum hip-hop puerto-riqueño quando uma loira vestida pra matar se aproxima e pede:

- Toca um Trance!!!
- Poxa meu amor… eu deixei meus Trances em casa!
(Mó caô! Tudo que eu tenho de trance é um set do Rica Amaral que veio numa DJ World)
- Poxa! É que eu tomei um ECSTACY! E queria muito ouvir um som eletrônico…
- Então! Eu tenho uns drum’n’bass… espera um pouquinho que eu emendo na próxima música.

Ela agradeceu e voltou para sua roda, onde os boys tentavam dançar o hip-hop gesticulando patéticamente com as mãos. Coloquei o vinil de Rock The Funky Beat que eu comprei por um dólar em Miami num toca-disco e um CD com “Samba Sim” da Fernanda Porto e Patife no CDJ. Mixei do hip-hop pro Samba Assim e deixei o vinil girando. Samba Assim começa com um sambinha quase a capela aquele “comecei um samba assim, com pandeiro e tamborim…”, dai rola uma paradinha de três segundos e o som volta já com a batida DB grave pra caralho. Acontece que foi só o sambinha entrar que a loira voltar ao meu encontro, com um ar de reprovação na face.

- Pô! Cê não ia colocar um drum’n’bass???

Não respondi, enconstei o fone no ombro e fiz um sinal de “estou ocupado”, dai eu espero chegar na paradinha e viro o crossfader pro canal do vinil, faço três segundos de arranhões medíocres no disco e volto pro canal do CDJ na hora em que entra o grave. A mina observou tudo atentamente, e sem entender nada me achou o melhor dee jay do mundo!!

- Cara! Você É FODA!!!

Ela falou isso meio que me abraçando, dai disse algo como que tinha voltado de Ibiza e que só lá ouvia sons assim. Voltou pros braços do namorado que já tava ficando bolado. Ah! Se não fosse por esse debíl mental de orelha estourada eu podia apresentar a essa loirinha mundos de prazeres que ela nem imagina…

Memórias estranhas numa ensolarada piscina em Natal… A melancolia de “Clandestino” virou a despirocação de “Próxima Estacion Esperanza” quando alguem me tirou da introspecção aconselhando-me passar um protetor. Ficamos conversando ainda bastante tempo, falando de bandas independentes legais no rio o som acabou descambando pro funk, todos riram muito quando cantei alguns dos batidão da hora.

EU VOU LAMBER O SEU PEITINHO! VAAAI SERGINHO! VAAAAI SERGINHO!
EU VOU CHUPAR O SEU GRELINHO! VAAAI SERGINHO! VAAAAI SERGINHO!

Já eram quase duas horas, tinhamos pego o pior sol do dia e bebido as primeiras cerevejinhas pra amenizar, estava na hora da inevitável Larica. Peguei o chinelo do Tomate emprestado e caminhamos até um shopping center próximo pra devorar pastéis de queijo coalho e massas Barilla (a mina do caixa assegurou que era Barilla). Na volta chapamos no quarto assistindo a SporTV dizer que a França era a equipe mais preparada pra copa do mundo. Ha! Que piada! Voltaram pra casa sem nenhum gol pra contar a história…

Nos encontramos com o broder do Tomate e fomos pra sua casa jogar conversa e neurônio foda. Taí! Quando for um muchacho bem-sucedido compro uma puta casa no nordeste pra criar meus filhos e pézinhos. Filhos!? Alguem falou em filhos!? Por favor… Olha só as coisas que passam pela sua cabeça de madrugada… Bem, se for moleque Maximiliano… Se for mina… Mel? Lua? Eva? Gosto de nomes hippies de três letras…

Mais tarde, no MADA confeririamos o show de Totonho e os Cabra, um Paraibano pra lá de arretado lançado pela Trama. Eu tinha visto seu show no Rio junto do broder Wado Jones. Desta vez o cara tavabem mais arretado, não parava de sacanear os outros caras da banda (que por sinal tem dois cariocas, um ex-zumbi do mato e um carne de segunda) e xingar todo mundo que calhasse, a música que encerrava o show repetia exaustivamente “Vô fumá um baseado! Vô fumá um baseado…”

Nesse dia não tinha cerveja pra imprensa, de maneira que eu resolvi investir minhas economias em caipirinhas, pelo mesmo preço da cerva só que muito mais em conta. Foi quando eu fui buscar uma que dei de cara com o D2 e o Rafael, que tinham acabado de chegar de um rodízio de camarão e estavam com uma pinta fudida de intoxicados (pelos camarões lógico!).

- Broder! Lá pelas tantas aparece um bando de gente vestida que nem cangaceira e começa a fazer danças típicas, dai depois de um tempo eles chegam de mesa em mesa convidando neguinho pra dançar! Quando eles chegaram na nossa perguntaram logo “É aqui que tem um cabra chamado Marcelo Dois!???”

No final das contas o Rafael acabou dançando um forró com as cangaceiras e o D2 ficou só lá rindo. Eles tinham um show no Mato Grosso no dia seguinte, mas diferente do resto da banda que voltou na sexta pra viajar denovo no sábado, resolveram ficar e viajar direto pro mato grosso no sábado, uma viajemzinha filhadaputa de umas doze horas. É impressionante a populariedade do Planet. Eu sei que marquei mais ou menos uma hora trocando idéia com o Marcelo, e nesse meio tempo ele deu duas entrevistas, uma dezena de autógrafos e posou pra várias fotos. As vezes os fãs chegavam e abraçavam o cara e o Rafael, ou o cara sozinho, ou o cara e eu… psicodélico!

Reencontrei meu editor e seu broder, bebendo caipirinhas e avaliando as bandas da noite. Quando começou o show do Tony Platão, que antecedia o show do IRA! Resolvemos fugir pela tangente e aproveitar a sexta a noite pra valer. Entramos no carro e fomos ziguezagueando por uma avenida com a estonteante vista pro mar de um lado e a lunar paisagem de dunas do outro até chegarmos no Black Rose um bar praiano com espaço para shows. O pico é alucinante, construido na areia, todo de madeira e com pastelzinhos deliciosos feitos na hora. Quando chegamos uma banda com integrantes do Florbela executava uma cover de “Evil Ways” do Santana e gatinhas descontraídas dançavam abençoadas pela maresia, mas eu tava acompanhado de dois coroas casados que logo iriam aborrecer-se e querer voltar pra casa, de maneira que poupei minha lábia e entreguei-me praquela loira que não nega fogo nunca – La cerva. De qualquer maneira o astral do pico era o que valia, e os covers também. Tipo, banda de cover pra eu que sou do afetado sudeste representa embaraçosas interpretações de Legião Urbana e The Doors, mas no animado nordeste essas banda arriscava-se em tocar sons como Merry Blues e Desaparecido, e o povo, obviamente dançava e urrava feliz. Nada de som pra ouvir virado pra parede, nada de Gallahens, Malkmus, Cobains ou esses maletas que eu nem sei soletrar direito, nada de guitarras afetadas ou aquele astral de quem queria ter nascido em Londres. Como já disse meu xará alexandre Matias “Se tem vergonha de ser brasileiro então vai lavar prato pra gringo!”. Para coroar a noite a banda, provavelmente tocando a horas e disposição pra muitas mais manda “CANTOR DE MAMBO” do Mutantes…

“Yo no soy americano… Yo te amo mi querida…. MAMBO! MAMBO! MAMBO!”

Lá estavámos nós, ziguezagueando pela estrada, bem altos, usando o MAMBO como resposta a qualquer besteira e curtindo a vida adoidado. Com a certeza de estar fazendo a coisa certa, cumprindo o dever de nosso veículo e apenas um pouco chateado pelo fato da maioria das bandas não estarem disfrutando dos mesmos privilégios que nós. A maioria inclusive tendo de passar altos perrengues para poder tocar em Natal, como os cariocas Som Tomé que teve de produzir festas pra pagar a longa, muito, muito longa viagem de van.

No hotel encontramos com o Miranda e o Lerena e ficamos conversando na varandinha. Depois o Tomate foi dormir e eu fui procurar o Bragato. Dei de cara com o Bruno Porto do Globo, que tava no quarto com ele – Bragato!? Ihhh… ficou lá! Não veio na van da imprensa não… É! Eu sabia que ele ia ficar até o fim, mas também estava certo de que ele seria o companheiro ideal para embriagar-me na piscina. Fui matar o tempo no micro do hotel com acesso a Internet. Tentei enviar e-mails superfelizes para as pessoas que eu amo, mas lamentavelmente eu não conseguia nem lembrar os endereços nem me entender com o teclado que dançava sob meus dedos. E isso que eu consigo digitar de olhos fechados, bem… pelo menos quando eu estou sóbrio… Bem… quem lê isso aqui sabe como eu digito normalmente…

O Bragato acabou chegando beeem mais tarde, de taxi com o D2 e Rafael e todos fomos dormir com aquele sentimento de dever comprido. Felizes feitos os reis do Mambo…

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)


Parte III – Nem todo camarão é de fumar!

Foi nesse dia em que perdemos o café vendo o jogo do Brasil sem conseguir movernos da cama!? Sei lá, eu sei que estávamos de mão cheia e tinhamos armado de pegar um praião e comer um peixe. Fizemos contato com os nativos e marcamos um encontro na ponta negra, a praia badalada, a ipanema de lá. Com calçadão, concreto, quiosques e restaurantes bacanas. Tava sol pra caralho e resolvemos esperar nosso broder na sombra de um daqueles restaurantes. Eu pedi uma cerveja e o tomate refrigerante e pastéis de camarão pra beliscar, logo o broder chegou de latinha na mão e ficamos jogando papo fora, sempre interrompido por pedintes, vendedores de óculos e artesanatos toscos. Meninas de short justo e camisetas promocionais passaram distribuindo tabelinhas da copa patrocinadas por um curso de inglês. Nelas a argentina aparecia como favorita e a frança no primeiro lugar do ranking… Quem seria o figura que escreveu isso!? Caralho, já bastava naquela manhã (ou na anterior, ou na seguinte… as memórias são confusas) termos encarado um especial da SporTV sobre a copa, na qual jornalistas de diversas nacionalidades (a maioria européia e africana) diziam suas opiniões sobre a copa. As cagações de regra acerca a França ser a equipe mais bem preparada eram intercaladas por depoimentos de Zidane e outros jogadores do gueto. Até jornalistas de países colonizados (massacrados) como o Haiti pelavam a equipe francesa… Que voltou da copa sem gol nenhum… Não dava pra entender.

A Argentina também voltou pra casa. O que não é de todo ruim, pois se o país vem ardendo há meses agora é que não há mais ópio algum pra recorrer. Enquanto isso no Brasil, com vitória ou não o povo só vai continuar reclamando é da temperatura da cerveja…

De pele rubra, decidimos que expornos ao cancerígeno sol daquela hora do dia seria loucura. Já bastava a sexta-feira. Decidimos que a boa coisa a fazer era prepara-mos prum rango e fazer hora pra depois dar um rolé em algum praião. Entramos no escaldante carro e rumamos para um cantinho pitoresco não muito longe dali, uma rua que dava pra uma igrejinha no sossegado clima de vilarejo de pescadores. A peixaria era colada numa vendinha e tinha um bando de pescadores largados por lá. Compramos camarão pra caralho e um peixe gigante. Não entendo porra nenhuma de comida do mar, sempre evitei qualquer porcaria que venha das aguas lamentavelmente imundas que nos rodeiam até descobrir que sushi a quilo no almoço era a melhor coisa para manter uma boa dieta e valorizar os tickets refeição dentro de uma vida corporativa. Mas nordeste é outra história, a agua é quentinha e não têm vala negra na praia. Pelo menos não tão descaradamente, dai rumamos pra casa do broder na sauna móvel.

Mas antes fizemos um contato.

Um velho pescador, desses com a barba mal feita esbranquiçada e as mãos talhadas de anos de trabalho aproximou-nos num tom de simpatia, sabedoria e um charme de doidão.

- Depois dos Beatles! Os melhores são os Bee Gees!!!
- Como é que é!? Os Bee Gees!?
- É! Depois dos Beatles! Os Bee Gess são os melhores do mundo!!

O cara falava "bitús" e "bídíz” e já de dentro do carro afirmamos – ah! Sim! Mas só depois dos Beatles né!?

- É! Só depois dos Beatles! Mas o George Harrisson morreu, e o John Lenon mataram ele né? Em frente ao edifício Dakota né!?
- Então só os Bee-Gees!!!
- É isso aí! Que os Bee-Gees estejam com vocês!!!

E assim se despidiu, com um sorriso angelical e o sinal de OK nas duas mãos, desejando-nos tudo de bom. Saímos de lá abençoados.

Catamos outro broder no caminho da casa estilosa do nosso contato em Natal, onde rindo muito começaram as atividades. Os nativos cortavam o alho e o gengibre, enquanto eu e o Tomate bebiamos cerveja rindo pra caralho com a dona de casa. Depois nos dirigimos a psicodélica varanda onde colocamos a churrasqueira – uma roda de carro adaptada sobre quatro pés de metal e com uma grelha móvel emcima. Que usamos para fritar o camarão junto com o gengibre e alho. Puta que pariu que que ela aquilo!? Arrancar a cabeça do bicho, e comer o resto, com casca, rabo e tudo. Ocasionalmente furando o lábio mas sempre chupando os dedos. Puta que pariu. O peixe foi grelhado com um tempero sagaz com coentro e uma pá de outras coisas. Carne pra caralho, branca, macia e sem espinhas. O almoço durou horas, temperado por muita Skol de garrafa, bombas e MAMBOS!

Ultimamente, desde minhas últimas bebedeiras exageradas tenho cada vez mais encarado a cerveja, especificamente a enlatada e vendida nem sempre gelada, como um veneno químico asqueroso. Não parece mais uma bebida, um troço de certa forma natural. Parece um refrigerante alcóolico feito pra te empapuçar, embriagar e viciar. A de garrafa, que por aqui tu só descola a preços escrotos nos tão bacanas botecos de rua, já disfarça mais, é mais gostosa, outra alternativa é o chopp, mas dai tem que ser em copos grandes e com bastante espuma de preferência cremosa… Naquela ocasião subi e desci as escadas várias vezes atrás de mais garrafas…

Folheavamos albuns de fotos que narravam aventuras num rolé de barco de Natal à Fernando de Noronha e contamos muita história entre uma e outra alusão ao show do caralho que o Jorge Ben daria aquela noite. É claro que desistimos de emendar num praião…

Voltamos pro hotel, onde morgamos por algumas horas antes de partirmos pro festival, dirigindo-nos direto à “sala de imprensa”, um restaurante no cantinho do festival bem distante da “ação” onde a galera ficava rangando, biritando e com alguma sorte, pendurando a despesa na conta do festival. Onde vocês estavam ontem!? E o maluco do Carbura!? Os caras dessa gravadora não entendem porra nenhuma! Esse sujeitinho é um filho da puta mermo!!! Será que dá pra descolar ópio em São Paulo!?

Assisti Jorge Ben do palco, da platéia, do palanque, na área da grua… Naquela época da vida em que você ainda é muito revoltado, conhece muita pouca coisa e fica puto com a mesmice do rádio (bem, isso ainda é assim…) eu não tinha muita paciência pra W/Brasil ou País Tropical. Fui conhecer o Jorge Ben pra valer mais tarde, graças ao Chico Science, ao Rappa, aos Racionais e tantos outros. Pirei, catei discos e informações, mas nunca conferi um show. Sempre soava feito um programa play-farofeiro e não o loki-mulambo que tanto curtimos. Dai que eu precisei ir pra Natal pra ver o Jorge Ben.

O clima pode ter sido de micareta, com luzes voltadas pra platéia que balançava as mãos ao ar em cada “tê-terê-tê-tê” ou naquela música do anúncio da seleção da Nike passando mal... Mas ainda era o Jorge Ben, cantando e tocando pra caralho aqueles temas horrorshow que te fazem sambar feliz da vida ou te tocam, arrepiando cada pelinho de teu plote.

Armas de fogo
meu corpo não alcançarão
Facas e espadas se quebrem
sem o meu corpo tocar.
Cordas e correntes arrebentem
sem o meu corpo amarrar.

Pois eu estou vestido
com as roupas e as armas de Jorge

Solta o pavão… Momentos de plenitude onde pela extensão de um solo ou uma jam você entra num transe em que derepente o universo faz muito mais sentido e você compreende o rumo a ser tomado...

Na volta pro hotel é que fudeu o barraco. Tava aquela euforia, todo mundo com a sensação de dever comprido e ainda estonteados pelo show do Jorge Ben. No dia seguinte, todo mundo pegaria um avião por volta das três da tarde de um domingo com cara de segunda-feira, de volta pra agonizante rotina de todo dia. Estava amanhecendo, era a desculpa que todo mundo precisava para ir pra piscina beber as ultimas latas de cerveja.

Como de costume, o Tomate foi chapar no quarto e eu voltei pra piscina pra pagar mico pelos dois. Foi entre uma geladissima cerveja e outra enquanto falávamos merda e uns e outros se davam bem que eu tive a idéia de recorrer ao potinho de filme onde tinha juntado todas as pontas desde o primeiro dia do festival e apertar um slim.

Não lembro se cheguei a passar adiante, sei que no segundo pega as coisas começaram a escurecer…

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)


EPÍLOGO – Teto Preto

Acordei num quarto que não era o meu, agradeci ao pessoal do resgate e fui encontrar o Tomate. Não me lembro se tomamos o café, sei que demos um chibum redentor no mar para despedir-nos daquela agua caliente e eu só comecei a recuperar a consciência quando fomos matar a larica lá no shopping. Os pastelzinhos demoraram pra ficar prontos, vieram depois da massa, o que definitivamente não é a mesma coisa. No nordeste até fast-food vêm com delay. Paramos numa banca para comprar cigarrilhas, a que escolhi era um charutão com o sugestivo nome de “Black Gold” e uma daquelas piteirinhas de madeira estilo HST. Toda vez em que passava por uma banca com o Tomate sacaneava-o perguntando se “têm a FRENTE?” depois do cara estranhar eu perguntava se tinha a PLAY…

Quando voltamos ao hotel todo mundo já tava fazendo check-out. O Bragato me devolveu os chinelos e eu fui pro quarto fumar o último e arrumar as coisas. Nesse meio tempo o Bragato ligou umas duas vezes pra avisar que neguinho já tava tudo na van querendo dar o fora sem mim e que era ele que tava segurando a van pra mim. Sai cuspindo fumaça fedorenta pelo corredor e no balcão de check-in, o melhor dessas cigarrilhs é ficar mordendo a piteirinha e sentindo aquele gostinho doce do tabaco. Dividi as despesas com o Tomate e fui liberar a van, ficando bem espremido no caminho até o aeroporto.

O vôo de volta foi uma merda, o avião era apertado e tava cheio pra caralho. Fiquei na segunda fileira, na angustiante poltrona do meio. Um par de filhos da puta com sotaque do sul não pararam de falar (alto pra caralho) a viagem inteira nos bancos do lado. O Jorge Ben tava sentando algumas fileiras atrás, e mais atrás tava o Bragato e o povo da MTV. Foi uma viagem tenebrosa…

Como embarcamos num avião já lotado acomodei minha bagagem lá atrás, perto do Benjor. Daí quando finalmente aterrisamos no Rio de Janeiro e as luzes de apertar os cintos apagaram, eu que tava doidinho pra dar o fora daquela angústia e não tava nem um pouco afim de ter de esperar todo mundo sair do avião para ir lá atrás catar minha mochila, sai pulando do assento em direção ao meião do avião. Dai o filho da puta com sotaque do sul me aborda:

- Ei, você não é daquela banda…
- NÃO! – Respondi seco, enquanto corria pra catar minha mala.

Na volta, o sujeitinho me aborda denovo.

- E você também é mané?
- Hein!?
- Es mané! Escuta quando te faço uma pergunta tens de esperar eu completá-la…

Fiquei puto, olhei pro Jorge Ben que tinha acompanhado o dialogo e ele parecia estar puto também.

- Ih coé rapá!? Que papo é esse!? Tu tá maluco!?
- Perguntei se tu era de banda porque não tem cara de quem costuma pegar avião…

O cara tava me chamando de fudido. Reprise da cena um. Filhos da puta se escondem atrás de ternos e cargos corporativos, vivendo uma vida de merda com seus casamentos falidos e preconceitos de classe mérdia, tudo ok, desde que você possa tirar uma onda, com seu carro de merda ou viagens de avião. Mais do que o dinheiro, o que importa pra eles é o estatus que este proporciona. O dinheiro pode te levar a elite, mas não faz de ninguém aristocrata. Se eles pagam caro numa passagem de avião e se vestem “bem” para isso, não adimitem ver um doidão qualquer “tirar a mesma onda”. Eles podem até aceitar um palhaço qualquer vestido de punk 24hs na sua TV, podem até ter uma tatuagem ou catar uma mina com piercing no umbido, mas eles jamais admitirão um doidão qualquer em seu território. Ver um doidão tirar essa onda é a mesma coisa que dizer que seus ideais caretas não valem porra nenhuma.

Podia dizer que há algumas horas eu tava num hotel cinco estrelas com as despesas pagas tirando a minha onda, mas isso me colocaria como um “fudido sortudo”. Podia então me assumir como bem nascido e dizer que já percorri as américas, a europa, o oriente médio e até o Egito. Mas quando olhei de volta pro Jorge Ben e vi que ele estava bem, bem puto, vi que a coisa mais sensata a fazer era tomar uma atitude transgressora, de maneira que vestindo as armas me manifestei pela classe artistíca:

- Ah! Vai tomar no teu cú seu merda!
- …
- Seu filho da puta!!! Só não te quebro por causa das aeromoças!!!
- …

O dono de gravadora que tinha viajado do meu lado e também tava puto com o Sulista maleta me tirou de cena antes que eu realmente enfiasse um bico na cara do carinha sentado e indefeso, não sem antes mandar o cara a merda ele mesmo, claro. Me despedi das aeromoças sem-graça e desembarquei, esfriando a cabeça contando o caso pros demais jornalistas…

Dai que quando o Lariú tá desembarcando com sua equipe o sujeitinho vira denovo pra ele e diz:

- Muito esquentadinho esse carinha do Planet Hemp!
- Hein!? Quem???
- Ah! Um moleque de cavanhaque aí… Mó fudido! Só tem dinheiro pra andar de avião porque é de banda…

O Lariú não entendeu nada, não tinha ninguem do Planet no avião e cavanhaque não é o nome apropriado aos fiapos que tenho no rosto. Mas a parte de associar músicos a fudidos certamente tocou, e certamente o operador de audio de sua equipe, um sujeito bem, bem grande talvez tenha percebido que o cara falava de mim… ou talvez tenha apenas ficado puto mesmo… Mandou o cara a merda e o Lariú teve de puxar ele pra fora pras coisas não engrossarem…

Voltei pro rio. Vendi o material de video pra uma produtora de Natal e mandei as fotos pra revista Frente… Vamos ver no que vai dar. Volta e meia alguem me aborda rindo, lembrando alguma história que lhe contaram sobre o MADA… Será que em algum momento eu paguei mico ou abusei da sorte!? Não sei… Acontece que muita gente, uma geração inteira, uma escola inteira paga pau do Hunter S. Thompson ou de seu jornalismo Gonzo e quando algum amigo chega perto de fazer as merdas do próprio elas chamam de mico. Sim! Despiroquei, fui tomado pela minha besta enfim, curti pra caralho! A única certeza é de que tenho o maior orgulho de ter sido convidado para essa festa e por isso tratei de aproveitá-la ao máximo, como profissional e como fanfarrão. Quando chamei de caga-pau um cara que deixa de torcer pra um time sul-americano pra torcer prum Europeu, neguinho disse que “futebol não é política”. Um amigo solidário retrucou dizendo que é “político até na punheta!”. Eu não quero ser parte dessa máquina escrota de fabricar “malucos”, por isso me arrisco a transgredir sempre, porque é no periodo eufórico de um levante em que ocorrem as verdadeiras revoluções, e não no desfecho, quando uma ordem é substituída por outra. Num dos textos reúnidos em “Urgência das ruas” questiona-se o fato da esquerda tradicional e verticalizada condenar as ações radicais “em nome de uma suposta imagem a ser preservada (quando na verdade o que parece estar em jogo é a preservação da ordem burguesa). Como se a revolucão fosse ter uma bonita imagem na TV e nas publicações burguesas!”.

Se você conseguir viver a sua vida toda zanzando pelas zonas libertadas, e praticando ações transgressoras pelo caminho, acho que podem te consideral um revolucionário…Em minhas próprias maneiras, você sempre deve cagar pro que os outros, caretas ou pelegos, pensam, e à sua própria maneira fazer a história…