17.6.02

Enfim na íntegra:

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)



Parte I – Desembarcando com a Família

Chovia e fazia frio na manhã da quinta feira dia 23 de Maio, o que tumultuava todo o trânsito em direção ao Aeorpoto do Galeão. As brumas que cobriam o céu nada lembravam o ensolarado cenário de uma semana atrás, quando torrava no posto nove divertindo-me com as peripécias do Acharcador, um viciado que fica andando em círculos por Ipanema, sempre colando nas “rodinhas” na esperança de filar um beque. É, o inverno finalmente chegara, desafiando o verão-sem-fim e enchendo minha cabeça de tonterias e desespero. Eu ainda estava longe do aeroporto quando faltava menos de meia hora para o embarque, mas não me preucupava, eu sabia muito bem para onde e com quem iria.

Cheguei no aeroporto junto com a Van da MTV, comprimentei a já conhecida equipe do MM. Lariú e segui pro balcão da TAM, no check-in as reconhecidas figuras do Planet Hempa, virados desde dois shows no canecão, despachavam seu equipamento numa fila repleta de figuras rumo ao MADA (Música Alimento da Alma), clássico festival naquela deliciosa parte do país onde é verão quase que o ano todo. “Ei! Você vai pra Natal? Não vai despachar nada?” perguntava um clone da Cássia Eller, que por razões de excessos de bagagem despachava seu equipamento e malas na aba dos jornalistas. O Caio, um dos roadies do Planet usava um casaco com gorro, cachecol e um daqueles bagulinhos de tampar os olhos no avião sobre a boca. A funcionária que guardava a entrada do portão de embarque arregalou os olhos: “Que frio Menino!”. A partir daí começamos a chamar o brother de Talibinha, ou pior ainda, de Jade. O assistente de produção sacaneava “Daqui a pouco ele vai levantar a camisa e mostrar duas granadas malocadas no Soutien”.

Bandas e Imprensa ocuparam boa parte do xexelento Faukker da TAM, sendo todos recebidos com sorrisos pela aeromoça gostosa e olhares cruzados pela legião de engravatados desgraçados. Como o Planet tá sempre mudando de formação, ninguém que não seja do Rio sabe direito quem toca na banda, reconhecendo apenas o D2, o Bernardo (as vezes confundindo-o com o Gustavo) e o Formigão (o Formigão é clássico né?), de maneira de que qualquer outro daqueles malucos de gorro, roupas e cabelos não-convencionais podia ser da banda. Depois de uma breve escala em Salvador, reembarcamos num AirBus melhorzinho. Quando estávamos no Finger (aquele tunel que liga a sala de espera ao avião) pudemos observar o tratamento “delicado” dispensado pelo pessoal da pesada ao embarcar o equipamento. Pelo menos eles não tinham cães farejadores… Recebemos cópias do Jornal A TARDE, que publicava em seu suplemento alternativo uma reportagem sobre o festival “Bananada” realizado em Goiânia há umas duas semanas atrás (cobertura jornalística é isso aê!). Na capa do suplemento e no seu interior, dentre muitas fotos, um retrato do colega Marcos Bragato, fotógrafo e guerreiro do roque pesado e que também estava no avião. A reação da galera foi simultânea, visto que todo mundo foi direto pro suplemento e agora gritava para os outros passageiros – UMA ESTRELA! ESTAMOS VIAJANDO COM UMA ESTRELA!!!

Desembarcamos em Natal abençoados por um sol escaldante. Enquanto uns se juntavam à muvuca que esperava as bagagens, eu que só levava as minhas duas muito pesadas bagagens de mão fui saindo do saguão para procurar a van que nos levaria ao hotel. De cara fui surpreendido por um flash, vindo da câmera de um skatista de mais ou menos minha idade, que logo extendeu um poster do Planet e um pilot atômico para mim. Caralho, era minha oportunidade de tirar uma onda de Pop Estrela, realizando todas minhas fantasias pré-adolescentes de ter uma banda, viajar pelo país e dirigir o autofalante para as massas. Uma experiência do caralho para rir pro resto da vida contando pros amigos. Mas bateu a nóia que em seguida o pessoal do Planet mesmo desembarcaria e poderia me flaglar lançando um MAXX no poster, e também fiquei bolado pelo fã, pois mesmo que eu só tenha pedido autográfos umas duas vezes na vida (pro Manu e pro Gaiman) sabia que não podia pregar uma peça dessas num fã, por mais estúpido que este fosse. É o espírito de lokis como aquele que faz com que a música Pop seja o que é, daí sorri e disse pro moleque que não entendeu direito:

– Véio! Sou só o fotógrafo deles!

Mais tarde, na piscina do hotel, comentaria isso pro Marcelo e o resto da banda que riram pra caralho e disseram algo como

– Porra! Tu deu mole!! Devia ter dado o autógrafo!

A produção do MADA (Música Alimento da Alma) descolou para gente acomodações no Ocean Palace, conhecido pelos nativos como “Oxente Palace”, um puta hotel cinco estrelas que fica na praia (não em frente à praia, mas na praia). O quarto que eu dividia com o Tomate (editor da Revista FRENTE, minha razão pra estar lá) dava para o mar e tinha uma varanda com mesinha redonda, cadeiras e o caralho. Depois de largar meus bagulhos no quarto fui explorar as mediações da piscina e da praia, sendo abordado de cara por uma garçonete charmosa de orelhas pontudas perguntando que dia eu iria tocar e que dia ela recomendava de ir, é claro que respondi Planet para as duas questões.

– Não sei… Meu namorado disse que é muita loucura… mas eu gosto de algumas coisas, eu fui no Charlie Brown Jr. uma vez…

Caralho! Porque elas sempre tem que deixar claro que são comprometidas!? Será que é algum sinal!? E porque o CBJr é tão popular assim!? Pô! Qualquer banda evidente do rio nos anos 90 manda melhor do que esses paulistas da Virgin… Bem, ainda era cedo e eu provavelmente conheceira muitas outras muchachas. A questão que ocupava minha mente então era a admiração e o respeito com que havíamos recebido. Se por um lado normalmente meu cabelo e minhas roupas fazem as pessoas me tratarem como um alienigena, mesmo numa metrópole cosmopolita como o Rio de Janeiro, por outro a partir do momento em que as pessoas me julgavam artista passavam a tratar-me com o maior respeito e naturalidade. E não é por causa da grana, coisa que artista no Brasil tem que penar muito pra ter, eu acho que no fundo no fundo, todos, mesmo os mais caretas admiram nossa função. Mesmo aqueles executivos de merda do avião que nos olhavam com desprezo por invejarem gente que viaja a trabalho com um sorriso de orelha à orelha. Seus preconceitos pequeno-burgueses automaticamente nos classificariam como pessoas desocupadas que não tinham porque estar lá, que não deviam estar lá. Mas a dura realidade em frente aos seus olhos era de que nós estavamos lá, subvertendo os valores caretas, trabalhando na honestidade e ganhando muito bem para isso, seja em grana ou comodidade. Os corporativistas caretas de fachada, os grandes filhos da puta, nos invejam porque ocupamos nosso tempo presenteando o povo com nossa arte, ao invés de roubar-lhes na cara-dura como a gente de sua laia. Nos odeiam porque curtimos as melhores companhias e as drogas mais espertas…

O técnico de som do Planet, na saída do avião virou pra mim e disse – Esses cretinos! Olha como olham com raiva pra gente, como se não tivessemos que trabalhar. Filhos da puta! Só digo que pra olhar desse jeito tem que se garantir – Era um depoimento enfurecido de um sujeito que é o primeiro a chegar e o último a sair dos shows. Eu já tinha visto esse loki em ação, quando ele esgotou a sua paciência com um vagabundo da lapa, batera de uma banda que durante uma época bancava o franelinha na porta dos shows onde a galera toda estaria e normalmente não havia franelinhas. Numa dessas chegou a arranhar o carro de uma mina da galera e ameaçar o MD2. Depois encontrou o tal do técnico e começou a cagar regra de que era sinixtro, e que ia fazer isso e aquilo. – Tu não vai fazer nada teu merda! – Foi o que o técnico disse enquanto quebrava um par de ossos do pilantra… Todo mundo viu o suposto flanelinha de muletas nos dias seguintes… Eu não duvidava do que podia acontecer nquele avião se o executivo continuasse se engraçando…

Eu, mais o Tomate, Lariú e Edgar estávamos no mar quando dois PMs cruzaram a praia correndo de coturno e arma em punho atrás de um pivete. Num pisacar de olhos o menor já estava distante e os canas não tinham nem saído do lugar, correndo num desconforto surreal… Atradicional hospitalidariedade da polícia local, em pocket-show para os turistas. Depois de quase destruir os pulmões de tanto pegar jacaré nos estiramos no deck da piscina pra beber as primeiras cervejinhas do dia e trocar umas idéias. Marcelo e Formigão apareceram e daí o papo cresceu para aquele sem-fim de histórias e situações engraçadas. Uma das mais curiosas foi aquele frequente “onde você estava no 11 de Setembro?”. O D2 tava em LA, aguardando a cerimônia de entrega do Grammy Latino, que não aconteceu. Acordou com sua mina desesperada no telefone, avisando pra ele dos atentados. Reuniu o resto da esquadrilha enfumaçada e procurou matar o tempo, mas tudo estava fechado. Lá pelo meio da tarde quando bandeiras estadounidenses ocupavam cada centímetro quadrado da cidade eles decidiram alugar um carro e rumar pra Tijuana, único lugar onde poderiam ter uma chance de voltar ao Brasil… E o papo perpetuou-se em teorias conspiratórias, a babaquice da polícia, o contexto do tráfico e em como nosso país é um pico onde a força e ignorância sempre falaram mais alto… De lá fui fazer a cabeça no quarto do Marcelo com a TV ligada em algum programa de notícias sensacionalistas que mostrava canas paulistas usando camisetas da Bad Boy efetuando transferências de presos que prometem “desmantelar o PCC”. Eles tentam nos convecer de que isolando esses caras em presídios com bloqueio de celular podem acabar com as quadrilhas que existem há mais tempo do que os próprios celulares… só comédia pra te fazer rir…

Peguei a van da imprensa com o Tomate, naquele espírito aporrinhante de excursão de colégio. O pico do festival é fenômenal, eles isolam o Largo da Rua Chile, pico quentissímo às margens do rio no centro antigo da cidade restaurado num daqueles projetos tão populares nas capitais do nordeste que visam revitalizar as zonas decadentes renovando a pintura dos picos e instalando boates e restaurantezinhos pra atrair a yuppagem. Dai eles fecham essa rua, com todos os bares, boates e restaurantes inclusos, montam dois palcos lado a lado que revezam-se e cobram uns cinco merreis de entrada. Eu não sei a legalidade disso, isolar um pedaço da cidade e cobrar entrada, mas tava do caralho. Naquela primeira noite em especial configurou-se naquele espaço o que poderia ser uma Zona Autonôma Temporária, mas isso é algo que discutiremos depois.

Depois do intragável PF que nos fizeram engolir a maior decepção foi na escalação das bandas, muitos nomes desconhecidos que prometiam surpreender mas no final não passavam clones mal-paridos dessas bandas que misturam rock mal-tocado com regionalismo mal-feito. Na primeira noite do festival, além das cervejas grátis e caipirinhas baratas destacaram-se a instigante dissonância do TOCAIA (som pra quem curte Loló!) e o hip-hop-padrão dos Agregados do Rap, um grupo local, que além dos MCs, B-Boys, Deejay e Grafiteiros contam com uma porrada de agregados que ficam lá só fazendo número e segurança mermo. Ah! E teve o Planet. Já vi suficiente shows da família em diversas formações pra saber distinguir um show irado de um show muito bom. Mas para os marinheiros de primeira viagem, os maconheiros de uma cidade que não tem o costume de tropeçar nesses lokis em qualquer esquina foi de certo um dos pontos altos do festival (o contraponto viria a ser o encerramento, no Sábado com Jorge Ben).

A banda que antecedia o Planet mal estava começando quando eu entrei no camarim e percebi que já estava completamente monstruoso. A minha camisa temática, preta com folhas da cannabis estampadas ajudara-me a fazer enfumaçadas amizades na platéia, o sem-fim de cerveja gelada a nossa disposição nos camarins e palanques da imprensa também não ajudaram muito… Mas eu tinha um foco a zelar, e muita vontade de capturar imagens desse show, de maneira que fui a luta, clicando e gravando o show lá do palco, com uma sensibilidade extraordinária pra música e vendo tudo girar…

Eu já tinha me perdido do Tomate há muito tempo, ele encontrara um antigo colega de quarto de tempos de faculdade que já mora lá faz anos e agora bebia tequilas em algum lugar com meu editor. A muvuca insana da molecada pogando e fumando aliado ao meu grau de embriagez impossibilitava o transito no meio da platéia, uma vez que eu já estava do lado do palco. Ao final do show, não muito tarde, lá pra umas duas, a multidão ainda não tinha dispersado e era impossível achar o meu editor, muito menos me informar a respeito da van da imprensa. Voltei pro camarim a procura do povo do planet e peguei carona de volta pro hotel na van deles recehada de equipamentos e groupies…

Os relatos que vêm a seguir vêm da reconstituição dos fatos montada depois de muita meditação e conversa com outras testemunhas…

Quando a banda encerrava com “Mantenha o Respeito” o Tomate e seu colega, de frente pra aquela cabeçada em movimento estavam certos de que o Lula irá ganhar a próxima eleição presidencial. Não bastasse a empolgação da molecada enfumaçada, o reflexo de uma maioria meio silenciosa e cada vez maior o próprio organizador do evento pogava no meio da galera cantando o refrão do Planet. Terminado o show, o Tomate pegou carona devolta pro hotel com seu broder que ziguezagueava o trajeto todo. Quando cheguei no hotel em família, um grupo de jornalistas rumava pra um posto 24horas para descolar cerveja barata, visto que no hotel custava três reais, eles terminariam a noite embriagando-se vendo o sol nascer na piscina. Eu tava um bagaço, não tenho certeza se de cara não achei a chave do meu quarto pra largar o equipamento, ou achei, largei o equipamento e depois esqueci a chave lá dentro. Sei que fomos curtir no quarto do formigão, onde você cortava a fumaça com uma faca, sorrisos tímidos das groupies espelhavam nossas risadas descontroladas e aquele vidro no meio da bancada da TV ganhava um novo significado.

Hoje em dia o pessoal do Planet é casado legal, sabe-se que alguns nem maconha fumam mais, sendo assim o melhor da festa acaba sobrando pros agregados, pelo menos quando eles têm condições pra isso. Juro que tentei me aproximar de uma das meninas com algum daqueles papos-chaves, onde você faz umas perguntas sobre ela e depois caga a regra de morar na melhor e mais divertida cidade do mundo. Só que quando me aproximei das minas o único que conseguia era guinfar ilegivelmente um bando de abobrinha nonsense e envergonhar o sotaque. Certamente tava na hora de ir embora…

O corredor comprido, cheio de espelhos e iluminação decorativa tornava-se um labirinto, não consegui achar o quarto, muito menos a chave, quando finalmente achei o quarto, ninguém respondia aos meus murros. Guiado pelo olfato e audição consegui voltar para o quarto do Formigão. O Marcelo, que já tava de saída mesmo, resolveu me ajudar, ligou pra camareira e pediu pra ela abrir meu quarto, daí me acompanhou até a porta e ficou esperando a mina chegar e abrir o quarto. Me despedi com o tradicional toque de mãos da galera e entrei na habitação 314 só pra dar de cara com o Tomate estirado na cama tentando assistir a TV em estado de semi-catalepsia.

Tentei manifestar-me, xingando-o por não ter me abrido a porta, mas novamente o que saia da minha boca era um grunhido indecifrável. Para minha surpresa a resposta do editor não foi muito diferente… Na manhã seguinte uma trilha de roupas, garrafas de àgua vazias e pacotes de doces pela metade marcavam nossa cambaleante trajetória pela habitação e uma ressaca dos infernos apavorava, corpo, mente e alma estafada e carente… Por onde andava meu travesseirinho!?

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