17.6.02

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)


Parte II – Tudo acaba em Mambo

Uma das vantagens de um hotel é que você pode fazer coisas que nunca se atreveria em casa, como sair pingando do chuveiro e atirar-se na cama, de maneira que de uma maneiro ou de outra ela (a cama) está sempre úmida. Minha cabeça doía pra caralho quando o Tomate me acordou pro café da manhã às dez horas. Para variar não achava meus chinelos, de maneira que me meti na minha bermuda florida e uma camiseta qualquer e fui descalço mesmo até o restuarante do hotel, prestes a encerrar o café da manhã. Misto-quente, macaxeira, alguma fruta pra enganar e várias rodelas de linguiça a calabresa que assustaram a mineira gente boa do Autofalante (da TV Cultura). Em seguida voltamos ao quarto para resgatar o soldado ryan e rumamos para o rendentor oceano atlântico. Sensacional, basta um par de caixotes para a ressaca ir embora e o mundo voltar a ser colorido como antes. Depois de perder o folêgo nadando fui de encontro aos demais broders da imprensa e me estirei numa espreguiçadeira para adiquirir o bronzeado que persegue há algumas semanas (tudo bem que no dia eu fiquei parecendo um camarão, mas valeu a pena voltar morenão prum rio de janeiro chuvoso…).

Quando a porra do sol se escondeu (por causa da sombra do hotel) subimos para a piscina cujo bar tinha um balcão virado pro deck e outro pra agua, aqueles que te poupam o esforço de ir ao banheiro. O Miranda, que já tava lá, foi o primeiro a reclamar do axé pentelho que loopava no som desde cedo quando rolavam aulas de hidroginastica. Pois é tratava-se dum desses hoteis que tem animadores e calendário de tarefas para entreter os moleques e velhos sem muita paciência pra sair dos limites paradisiacos do hotel e encarar o selvagem mundo do lado de fora. Dai que eu tava com meu diskman e alguns CDs numa bolsinha de canhâmo que tinha levado pra praia e ofereci ao carinha do bar os dois CDs do Manu Chao (que era o menos ofensivo que eu tinha naquela ocasião, se bem que eu podia ter atacado com o sionismo rastafari de Fidel Nadal). Dai foi aquela coisa, agua até o pescoço, cervejinha, Manu na caixa, sol na caixola e altos papos sobre sons e bandas. Quando você junta uma porrada de jornalista e entendedor de música com alguma sintonia é o bixo, rola uma espécie de competição saudável sobre quem tá ligado em que, quem compartilha as mesmas opiniões sobre sons além das eventuais fofocas acerca bandas e artistas. Descobri que o miranda também tá sintonizado na Batanga, uma rádio cucaracha do caralho, com vários canais divididos de acordo com o ritmo. Fiquei curioso em conhecer mais dos sons Tex-Mex que ele tanto falou e segundo ele “é só treta”…

Dai eu me lembro do século passado, quando gigantes como o Acabou La Tequila e o Funk Fuckers ainda caminhavam na terra. O Zé Felipe da LOUD! e a Cris tinham armado um festival na Bunker, com dois ou três shows na Pista 1, enquanto algum DJ animava a Pista 2, na época em que a atual Pista 3 ainda era um lounge ocupado pela famosa cama da bunker, palco de tantas saudosas e agradáveis putarias. Daí que num dia a atração principal era o Wander Wildner, e o DJ convidado o BêLezão, que não tinha levado em conta que se apresentaria naquele dia com o D2 no outro lado da cidade e só poderia chegar na Bunker lá pelas duas da manhã. Deixar a pista vazia não rolava, o Zébs precisava de alguem pra abri-la, e acabou sobrando pro querido djangobroder que na época tinha acabado de descobrir o poder do Crossfader (até então era mixagem só com o volume… eu disse mixagem!?).

Eu já tinha colocado som na casa da matriz, em festas de amigos e do colégio. Mas a bunker, onde eu teria curtido tantas psicodélicas noites era um desafio, eu não podia cagar no pau. Fiquei na maior função ouvindo os meus então poucos discos de sons latinos e o bando de coisa independente inédita que sempre chegou às minhas mãos graças a minha insistência, na época eu nem tinha vinil. Dai que eu toco das onze até o B.Negão chegar as duas. Meu som de longe se parecia à groovezeira black do DJ oficial da noite, mas consegui encher as pistas várias vezes, tinha feito um voto para só colocar temas em espanhol e português além dos instrumentais, e mesmo quando a pista esvaziava eu estava certo que no bar ao lado, fora do meu campo de visão, um bando de gente fina enchia a cara e jogava totó no embalo do meu som. Não deu outra. Quando o Bernardo chegou empacotei meus CDs do Café Tacvba, Molotov, Manu (desconhecido no brasil na época), Mano Negra e outros que floreavam minha escassa coleção na época e fui pegar uma cerva no bar adjacente, antes que o show começasse.

Dai eu sou abordado pelo Zé Otávio, o Tom Capone e o Miranda, que tavam bebendo no bar adjacente:

- Você que é o DJ que tava colocando som agora pouco!?
- É… quer dizer, eu não sou DJ mas…
- Então cara!!! Parabéns, mandou muito bem nas seleções.
- É… obrigado… Eu sou bem ligado nesses sons latinos…
- Nós também, sabe nós somos produtores!
- É! Eu sei…

Quiz falar do cucaracha pra eles e explicar que na verdade eu era um fotógrafo, um zineiro (ainda não me arriscava a dizer jornalista) e que tava lá só brincando de botar som. Mas eles não me deram muito ouvidos, limitando-se a dar força pro minha carreira como DJ. Bah… DeeJay, jornalista musical, produtor… No fundo é mais ou menos o mesmo, pelo menos na intenção, gente com muito amor à boa música e muito mais vontade de fazer esta chegar ao maior número de ouvidos sintonizados possíveis. É esse o espírito que forja os campeões, não os manés jabazeiros que se contentam em botar um som xarope pra bombar a pista, ou usa uma bunda qualquer pra vender revista ou CD. Outro dia perguntei pro Yuka o que ele achava da Inglaterra estar importando DJs brazucas.

- É uma coisa que eu não entendo. Esses caras compram os discos lá fora, compram os toca-discos e agulhas feitos lá fora e tocam do mesmo jeito que os caras lá de fora. Então esses caras são meros selecionadores de som! Agora, que culpa eu tenho se a gente tem muito mais ouvido do que os caras lá de fora!???

Hoje você vê duas coisas distintas, o DJ e o Selecta. O DJ, ou turntablist é o cara que manipula o vinil, faz do tocadisco um instrumento, o Selecta é um cara que mixa sons, o que não o desmerece, para fazê-lo direito tem que ter um ouvido musical fudido, além de repertório e feeling de sobra. Acontece que hoje em dia com os recursos tecnologicos (MP3, CDR, MD, Mixers com contador de BPM…) e a bestialização da cultura Rave e suas drogas, dá pra enganar muita gente. O que certamente não é o caso de nossos queridos Patife e Marky, Selectas com muito mais ouvido que qualquer gringo como disse o broder Yuka. Eu sou péssimo nas mixagens e minhas tentativas de scratches são medíocres, mas como não tenho pretenção nenhuma, apenas um acervo legal e muito conhecimento de causa me divirto pacas com minhas discotecagens. Uma vez, estava nos finalmentes da fiesta cucaracha na pista 2 da da Maldita, as poucas pessoas na casa estavam estiradas pelos sofás da casa ou cambaleantes demais pra dançar quando chegou um grupo de três casais de patys e boys, eu estava tocando algum hip-hop puerto-riqueño quando uma loira vestida pra matar se aproxima e pede:

- Toca um Trance!!!
- Poxa meu amor… eu deixei meus Trances em casa!
(Mó caô! Tudo que eu tenho de trance é um set do Rica Amaral que veio numa DJ World)
- Poxa! É que eu tomei um ECSTACY! E queria muito ouvir um som eletrônico…
- Então! Eu tenho uns drum’n’bass… espera um pouquinho que eu emendo na próxima música.

Ela agradeceu e voltou para sua roda, onde os boys tentavam dançar o hip-hop gesticulando patéticamente com as mãos. Coloquei o vinil de Rock The Funky Beat que eu comprei por um dólar em Miami num toca-disco e um CD com “Samba Sim” da Fernanda Porto e Patife no CDJ. Mixei do hip-hop pro Samba Assim e deixei o vinil girando. Samba Assim começa com um sambinha quase a capela aquele “comecei um samba assim, com pandeiro e tamborim…”, dai rola uma paradinha de três segundos e o som volta já com a batida DB grave pra caralho. Acontece que foi só o sambinha entrar que a loira voltar ao meu encontro, com um ar de reprovação na face.

- Pô! Cê não ia colocar um drum’n’bass???

Não respondi, enconstei o fone no ombro e fiz um sinal de “estou ocupado”, dai eu espero chegar na paradinha e viro o crossfader pro canal do vinil, faço três segundos de arranhões medíocres no disco e volto pro canal do CDJ na hora em que entra o grave. A mina observou tudo atentamente, e sem entender nada me achou o melhor dee jay do mundo!!

- Cara! Você É FODA!!!

Ela falou isso meio que me abraçando, dai disse algo como que tinha voltado de Ibiza e que só lá ouvia sons assim. Voltou pros braços do namorado que já tava ficando bolado. Ah! Se não fosse por esse debíl mental de orelha estourada eu podia apresentar a essa loirinha mundos de prazeres que ela nem imagina…

Memórias estranhas numa ensolarada piscina em Natal… A melancolia de “Clandestino” virou a despirocação de “Próxima Estacion Esperanza” quando alguem me tirou da introspecção aconselhando-me passar um protetor. Ficamos conversando ainda bastante tempo, falando de bandas independentes legais no rio o som acabou descambando pro funk, todos riram muito quando cantei alguns dos batidão da hora.

EU VOU LAMBER O SEU PEITINHO! VAAAI SERGINHO! VAAAAI SERGINHO!
EU VOU CHUPAR O SEU GRELINHO! VAAAI SERGINHO! VAAAAI SERGINHO!

Já eram quase duas horas, tinhamos pego o pior sol do dia e bebido as primeiras cerevejinhas pra amenizar, estava na hora da inevitável Larica. Peguei o chinelo do Tomate emprestado e caminhamos até um shopping center próximo pra devorar pastéis de queijo coalho e massas Barilla (a mina do caixa assegurou que era Barilla). Na volta chapamos no quarto assistindo a SporTV dizer que a França era a equipe mais preparada pra copa do mundo. Ha! Que piada! Voltaram pra casa sem nenhum gol pra contar a história…

Nos encontramos com o broder do Tomate e fomos pra sua casa jogar conversa e neurônio foda. Taí! Quando for um muchacho bem-sucedido compro uma puta casa no nordeste pra criar meus filhos e pézinhos. Filhos!? Alguem falou em filhos!? Por favor… Olha só as coisas que passam pela sua cabeça de madrugada… Bem, se for moleque Maximiliano… Se for mina… Mel? Lua? Eva? Gosto de nomes hippies de três letras…

Mais tarde, no MADA confeririamos o show de Totonho e os Cabra, um Paraibano pra lá de arretado lançado pela Trama. Eu tinha visto seu show no Rio junto do broder Wado Jones. Desta vez o cara tavabem mais arretado, não parava de sacanear os outros caras da banda (que por sinal tem dois cariocas, um ex-zumbi do mato e um carne de segunda) e xingar todo mundo que calhasse, a música que encerrava o show repetia exaustivamente “Vô fumá um baseado! Vô fumá um baseado…”

Nesse dia não tinha cerveja pra imprensa, de maneira que eu resolvi investir minhas economias em caipirinhas, pelo mesmo preço da cerva só que muito mais em conta. Foi quando eu fui buscar uma que dei de cara com o D2 e o Rafael, que tinham acabado de chegar de um rodízio de camarão e estavam com uma pinta fudida de intoxicados (pelos camarões lógico!).

- Broder! Lá pelas tantas aparece um bando de gente vestida que nem cangaceira e começa a fazer danças típicas, dai depois de um tempo eles chegam de mesa em mesa convidando neguinho pra dançar! Quando eles chegaram na nossa perguntaram logo “É aqui que tem um cabra chamado Marcelo Dois!???”

No final das contas o Rafael acabou dançando um forró com as cangaceiras e o D2 ficou só lá rindo. Eles tinham um show no Mato Grosso no dia seguinte, mas diferente do resto da banda que voltou na sexta pra viajar denovo no sábado, resolveram ficar e viajar direto pro mato grosso no sábado, uma viajemzinha filhadaputa de umas doze horas. É impressionante a populariedade do Planet. Eu sei que marquei mais ou menos uma hora trocando idéia com o Marcelo, e nesse meio tempo ele deu duas entrevistas, uma dezena de autógrafos e posou pra várias fotos. As vezes os fãs chegavam e abraçavam o cara e o Rafael, ou o cara sozinho, ou o cara e eu… psicodélico!

Reencontrei meu editor e seu broder, bebendo caipirinhas e avaliando as bandas da noite. Quando começou o show do Tony Platão, que antecedia o show do IRA! Resolvemos fugir pela tangente e aproveitar a sexta a noite pra valer. Entramos no carro e fomos ziguezagueando por uma avenida com a estonteante vista pro mar de um lado e a lunar paisagem de dunas do outro até chegarmos no Black Rose um bar praiano com espaço para shows. O pico é alucinante, construido na areia, todo de madeira e com pastelzinhos deliciosos feitos na hora. Quando chegamos uma banda com integrantes do Florbela executava uma cover de “Evil Ways” do Santana e gatinhas descontraídas dançavam abençoadas pela maresia, mas eu tava acompanhado de dois coroas casados que logo iriam aborrecer-se e querer voltar pra casa, de maneira que poupei minha lábia e entreguei-me praquela loira que não nega fogo nunca – La cerva. De qualquer maneira o astral do pico era o que valia, e os covers também. Tipo, banda de cover pra eu que sou do afetado sudeste representa embaraçosas interpretações de Legião Urbana e The Doors, mas no animado nordeste essas banda arriscava-se em tocar sons como Merry Blues e Desaparecido, e o povo, obviamente dançava e urrava feliz. Nada de som pra ouvir virado pra parede, nada de Gallahens, Malkmus, Cobains ou esses maletas que eu nem sei soletrar direito, nada de guitarras afetadas ou aquele astral de quem queria ter nascido em Londres. Como já disse meu xará alexandre Matias “Se tem vergonha de ser brasileiro então vai lavar prato pra gringo!”. Para coroar a noite a banda, provavelmente tocando a horas e disposição pra muitas mais manda “CANTOR DE MAMBO” do Mutantes…

“Yo no soy americano… Yo te amo mi querida…. MAMBO! MAMBO! MAMBO!”

Lá estavámos nós, ziguezagueando pela estrada, bem altos, usando o MAMBO como resposta a qualquer besteira e curtindo a vida adoidado. Com a certeza de estar fazendo a coisa certa, cumprindo o dever de nosso veículo e apenas um pouco chateado pelo fato da maioria das bandas não estarem disfrutando dos mesmos privilégios que nós. A maioria inclusive tendo de passar altos perrengues para poder tocar em Natal, como os cariocas Som Tomé que teve de produzir festas pra pagar a longa, muito, muito longa viagem de van.

No hotel encontramos com o Miranda e o Lerena e ficamos conversando na varandinha. Depois o Tomate foi dormir e eu fui procurar o Bragato. Dei de cara com o Bruno Porto do Globo, que tava no quarto com ele – Bragato!? Ihhh… ficou lá! Não veio na van da imprensa não… É! Eu sabia que ele ia ficar até o fim, mas também estava certo de que ele seria o companheiro ideal para embriagar-me na piscina. Fui matar o tempo no micro do hotel com acesso a Internet. Tentei enviar e-mails superfelizes para as pessoas que eu amo, mas lamentavelmente eu não conseguia nem lembrar os endereços nem me entender com o teclado que dançava sob meus dedos. E isso que eu consigo digitar de olhos fechados, bem… pelo menos quando eu estou sóbrio… Bem… quem lê isso aqui sabe como eu digito normalmente…

O Bragato acabou chegando beeem mais tarde, de taxi com o D2 e Rafael e todos fomos dormir com aquele sentimento de dever comprido. Felizes feitos os reis do Mambo…

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