17.6.02

EM NATAL
COMA AS POTIGUARES

(Uma cobertura insólita do MADA)


EPÍLOGO – Teto Preto

Acordei num quarto que não era o meu, agradeci ao pessoal do resgate e fui encontrar o Tomate. Não me lembro se tomamos o café, sei que demos um chibum redentor no mar para despedir-nos daquela agua caliente e eu só comecei a recuperar a consciência quando fomos matar a larica lá no shopping. Os pastelzinhos demoraram pra ficar prontos, vieram depois da massa, o que definitivamente não é a mesma coisa. No nordeste até fast-food vêm com delay. Paramos numa banca para comprar cigarrilhas, a que escolhi era um charutão com o sugestivo nome de “Black Gold” e uma daquelas piteirinhas de madeira estilo HST. Toda vez em que passava por uma banca com o Tomate sacaneava-o perguntando se “têm a FRENTE?” depois do cara estranhar eu perguntava se tinha a PLAY…

Quando voltamos ao hotel todo mundo já tava fazendo check-out. O Bragato me devolveu os chinelos e eu fui pro quarto fumar o último e arrumar as coisas. Nesse meio tempo o Bragato ligou umas duas vezes pra avisar que neguinho já tava tudo na van querendo dar o fora sem mim e que era ele que tava segurando a van pra mim. Sai cuspindo fumaça fedorenta pelo corredor e no balcão de check-in, o melhor dessas cigarrilhs é ficar mordendo a piteirinha e sentindo aquele gostinho doce do tabaco. Dividi as despesas com o Tomate e fui liberar a van, ficando bem espremido no caminho até o aeroporto.

O vôo de volta foi uma merda, o avião era apertado e tava cheio pra caralho. Fiquei na segunda fileira, na angustiante poltrona do meio. Um par de filhos da puta com sotaque do sul não pararam de falar (alto pra caralho) a viagem inteira nos bancos do lado. O Jorge Ben tava sentando algumas fileiras atrás, e mais atrás tava o Bragato e o povo da MTV. Foi uma viagem tenebrosa…

Como embarcamos num avião já lotado acomodei minha bagagem lá atrás, perto do Benjor. Daí quando finalmente aterrisamos no Rio de Janeiro e as luzes de apertar os cintos apagaram, eu que tava doidinho pra dar o fora daquela angústia e não tava nem um pouco afim de ter de esperar todo mundo sair do avião para ir lá atrás catar minha mochila, sai pulando do assento em direção ao meião do avião. Dai o filho da puta com sotaque do sul me aborda:

- Ei, você não é daquela banda…
- NÃO! – Respondi seco, enquanto corria pra catar minha mala.

Na volta, o sujeitinho me aborda denovo.

- E você também é mané?
- Hein!?
- Es mané! Escuta quando te faço uma pergunta tens de esperar eu completá-la…

Fiquei puto, olhei pro Jorge Ben que tinha acompanhado o dialogo e ele parecia estar puto também.

- Ih coé rapá!? Que papo é esse!? Tu tá maluco!?
- Perguntei se tu era de banda porque não tem cara de quem costuma pegar avião…

O cara tava me chamando de fudido. Reprise da cena um. Filhos da puta se escondem atrás de ternos e cargos corporativos, vivendo uma vida de merda com seus casamentos falidos e preconceitos de classe mérdia, tudo ok, desde que você possa tirar uma onda, com seu carro de merda ou viagens de avião. Mais do que o dinheiro, o que importa pra eles é o estatus que este proporciona. O dinheiro pode te levar a elite, mas não faz de ninguém aristocrata. Se eles pagam caro numa passagem de avião e se vestem “bem” para isso, não adimitem ver um doidão qualquer “tirar a mesma onda”. Eles podem até aceitar um palhaço qualquer vestido de punk 24hs na sua TV, podem até ter uma tatuagem ou catar uma mina com piercing no umbido, mas eles jamais admitirão um doidão qualquer em seu território. Ver um doidão tirar essa onda é a mesma coisa que dizer que seus ideais caretas não valem porra nenhuma.

Podia dizer que há algumas horas eu tava num hotel cinco estrelas com as despesas pagas tirando a minha onda, mas isso me colocaria como um “fudido sortudo”. Podia então me assumir como bem nascido e dizer que já percorri as américas, a europa, o oriente médio e até o Egito. Mas quando olhei de volta pro Jorge Ben e vi que ele estava bem, bem puto, vi que a coisa mais sensata a fazer era tomar uma atitude transgressora, de maneira que vestindo as armas me manifestei pela classe artistíca:

- Ah! Vai tomar no teu cú seu merda!
- …
- Seu filho da puta!!! Só não te quebro por causa das aeromoças!!!
- …

O dono de gravadora que tinha viajado do meu lado e também tava puto com o Sulista maleta me tirou de cena antes que eu realmente enfiasse um bico na cara do carinha sentado e indefeso, não sem antes mandar o cara a merda ele mesmo, claro. Me despedi das aeromoças sem-graça e desembarquei, esfriando a cabeça contando o caso pros demais jornalistas…

Dai que quando o Lariú tá desembarcando com sua equipe o sujeitinho vira denovo pra ele e diz:

- Muito esquentadinho esse carinha do Planet Hemp!
- Hein!? Quem???
- Ah! Um moleque de cavanhaque aí… Mó fudido! Só tem dinheiro pra andar de avião porque é de banda…

O Lariú não entendeu nada, não tinha ninguem do Planet no avião e cavanhaque não é o nome apropriado aos fiapos que tenho no rosto. Mas a parte de associar músicos a fudidos certamente tocou, e certamente o operador de audio de sua equipe, um sujeito bem, bem grande talvez tenha percebido que o cara falava de mim… ou talvez tenha apenas ficado puto mesmo… Mandou o cara a merda e o Lariú teve de puxar ele pra fora pras coisas não engrossarem…

Voltei pro rio. Vendi o material de video pra uma produtora de Natal e mandei as fotos pra revista Frente… Vamos ver no que vai dar. Volta e meia alguem me aborda rindo, lembrando alguma história que lhe contaram sobre o MADA… Será que em algum momento eu paguei mico ou abusei da sorte!? Não sei… Acontece que muita gente, uma geração inteira, uma escola inteira paga pau do Hunter S. Thompson ou de seu jornalismo Gonzo e quando algum amigo chega perto de fazer as merdas do próprio elas chamam de mico. Sim! Despiroquei, fui tomado pela minha besta enfim, curti pra caralho! A única certeza é de que tenho o maior orgulho de ter sido convidado para essa festa e por isso tratei de aproveitá-la ao máximo, como profissional e como fanfarrão. Quando chamei de caga-pau um cara que deixa de torcer pra um time sul-americano pra torcer prum Europeu, neguinho disse que “futebol não é política”. Um amigo solidário retrucou dizendo que é “político até na punheta!”. Eu não quero ser parte dessa máquina escrota de fabricar “malucos”, por isso me arrisco a transgredir sempre, porque é no periodo eufórico de um levante em que ocorrem as verdadeiras revoluções, e não no desfecho, quando uma ordem é substituída por outra. Num dos textos reúnidos em “Urgência das ruas” questiona-se o fato da esquerda tradicional e verticalizada condenar as ações radicais “em nome de uma suposta imagem a ser preservada (quando na verdade o que parece estar em jogo é a preservação da ordem burguesa). Como se a revolucão fosse ter uma bonita imagem na TV e nas publicações burguesas!”.

Se você conseguir viver a sua vida toda zanzando pelas zonas libertadas, e praticando ações transgressoras pelo caminho, acho que podem te consideral um revolucionário…Em minhas próprias maneiras, você sempre deve cagar pro que os outros, caretas ou pelegos, pensam, e à sua própria maneira fazer a história…