20.9.01

WAR IN A BABYLON

Há anos abandonei a televisão, arrancando-a do meu quarto para dar mais espaço para meu micro e som. Quando fui morar sozinho, acabei ganhando uma TV, que passou a ficar constantemente ligada pelas hordas de vizinhos viciados que passaram a frequentar o apê. Mas isso é um fenomeno que rola no fim da tarde, assim que na maior parte do dia a TV fica desligada, afinal não rola cabo nem video.

Na manhã daquela terça feira encontrava-me largado na cama acompanhado de "Uma estranha realidade" do Castañeda quando um telefonema me fez ligar a TV para assistir os estados unidos sucumbirem a um múltiplo ataque suicida sem Kurt Russell ou Steven Seagle pra salvar a pátria. As primeiras reações combinaram o extâse de ver uma fantasia infantil realizada com toda aquela raiva e rancor terceiromundista bem guardados e disfarçados. Mas logo veio a reflexão que salvo as centenas de milicos de merda mortos no pentágono, tratava-se de milhares de mortes inocentes em New York, a capital que me seduziu em Julho, a ponto de por pouco não me fazer ficar.

Eu não sei se foi alguma insegurança ou a vontade carnal e histérica de prosseguir a viagem que não me fez ficar mais tempo em NY. De qualquer maneira, corri para o e-mail e telefone, tentando localizar os amigos que me trataram tão bem naquela viagem Também liguei para minha chica no hemisfério norte, ela trabalha num aeroporto, tinha sido dispensada e junto de toda a população dos E.U.A. encontrava-se chocada, ela foi bem direta:

- Matias! Seu filho da puta! Sanguinário! Sádico! Insensivel! Eu sabia que você ia me ligar! Milhares de inocentes morreram e aposto que você deve tar feliz da vida! Você deve tar gozando!! Você já deve tar bebado!

Bebado ainda não, mas um vizinho na hora do almoço do trabalho preparava-se para estourar uma bomba na sala. Acontce que essa garota é da paz saca!? Ela é daquelas que ainda acha que a gente pode conseguir a revolução pelos meios condicionais, repudia a violencia e agressividade humana e acha as reencarnações e mil e uma noites da cultura oriental uma beleza. Como eu penso um pouquinho diferente nós sempre fomos chegados a longas discussões, ela com a experiencia de quem viu o sistema socialista ruir pela maldade de um ditador e o sufoco de um embargo economico e eu com a experiencia de quem já rabsicou muro, jogou pedra, falou pra caralho e leu alguma coisa… sei lá… Desta vez ao invés de engajar-nos naquela discussão sem fim repensamos aqueles planos de juntar uma grana e tentar tocar a vida em New York, cidade cosmopolita maravilhosa que tem o azar de estar no país errado, destinada a sofrer o resto da história em paranoia.

Pensando a respeito dos Estados Unidos., onde salvo New York, California e um ou outro estado ou capital trata-se de um vasto território ranchero populado por caipiras devidamente representados em seu congresso cowboy e conservador. Um país interiorano tocando a história da humanidade, mas não por muito tempo.

Sai para tocar o bloco "música do terceiro mundo", do programa LOUD! da Rádio Interferencia da ECO-UFRJ. Após aquecermos no bar do campus, usando garrafas de guaraná para disfarçar o proibido consumo de bebidas alcóolicas no lugar rumamos para o estúdio, onde coloquei "Sidi H'Bibi", hino arábe do Mano Negra, "Hasta Siempre" versão do King Manfrudi pro clássico tributo a Che Guevara de Carlos Puebla e "A Original Dança do Patinho" do Funk Fuckers. Tudo muito temático a apropriado.

De lá parti para o Puebla Café, o mexicano da Cobal, onde permaneci umas quatro horas, testemunhando indas e vindas de vários casais, devorando Tacos, Nachos e Micheladas com a certeza de quem vai se fuder quando a conta chegar. Mas não é que miraculosamente sobrou dinheiro!? E isso sem que eu tivesse tido tempo de participar do ratátá, os remanescentes não entenderam direito e ficaram meio sem jeito. Resolvi tomar uma atitude:

- Vamos deixar pra ela ela foi paciente com a gente, ela merece! É linda! Maravilhosa…

Eu não sei… Geralmente eu sou um cara tímido, mas a dose certa de bebida me deixa dessa maneira, encabulando todas as chicas solteiras, como era o caso da bela garçonete de cabelo afiado e quadril armado. Pena que o limite é muito tênue, um drink a mais e eu tou desnorteado, fazendo um bando de palhaçada.

Na Quarta o apê do rock, tornou-se congresso dos maconheiros do bairro com o atentado em pauta. Enquanto a sala era bombardeada de mato queimado, opiniões anti-imperialistas e afirmações como "Porra! Podiam ter sido as duas torres de Brasília!" ou "caralho! Ouvi dizer que é Carnaval em Cuba", na mesa principal o ilustrador do Cucaracha, Gustavo Goose, preparava os croquis dos personagens de nossa HQ, sob observação do também cucaracha Zé Colméia. Em outro plano, um vizinho mais fanático estudava o mapa do Afaganistão, concluindo que trata-se de um paiseco tosco, desértico e acidentado, quase impossível de invadir. Alguém soltou a pérola - "Tem coisas que só o Oriente Médio faz por você!".

Quinta e Sexta seguriam o fluxo de expansão da mente em frente a TV. Enquanto milhões de idéias fervilhavam, e nenhum músculo era movido para comprir obrigações como a conclusão de uns Freelas e o roteiro da HQ. Dai eu encontro esse meu amigo filipeteiro que me descola uma entrada pra Rave Exxxperience do Ricca Cabral. Vamo lá!

Indo de Pablo Picasso, o trance fica super agradável e você não consegue sair do pequeno espaço que escolheu para loopar a batida. Aquela preciosidade maravilhosa que já foi apaixonada por você tá na area. A inocência de seu rosto e corpo de menina, trajado com meia sete oitavos e sainha é cortada pela maquiagem pesada e a certeza de suas ações. Agora ela cresceu, sobreviveu e seu estilinho é europeu, não vale mais a pena ficar gamada por esse maluco que a esta altura está vendo as cores da realidade separando-se como numa fotolitagem.

Matias Maxx, o freak de calça camuflada que vaga incomunicável pela Rave, pisoteando a lama como um guerrilheiro da FARC na Amazônia Colombiana. Desfilando com a certeza e empenho daquele que de Turbante e Fuzil AK acredita-se capaz de enfrentar qualquer exércit Yanke, nem que seja necessário explodir junto com ele.

Se meu último encontro com Picasso havia sido de total onda errada, desta vez eu não conseguia desligar o fluxo de visões, que apareciam rápido demais para que eu pudesse comprende-las. A realidade é que eu queria um Ecstacy, droga muito mais apropriada para uma situação destas, onde você quer socializar e transar. Mas não tinha e acabei detonando aquele Picasso há muito guardado, mesmo tendo prometido que multidões e sons repetitivos não combinavam com esse tipo de alucinógeno, diferente do Hoffman que me colocou em contato com toda a essência das Raves de trancoso. Talvez o surrealista tivesse algo pra me dizer, mas as condições eram adversas demais a observação.

Voltei estirado no ônibus tal qual uma peça de carne num caminhão frigorifico. Com a certeza de ter disperdicado uma bela oportunidade de reflexão, e a vontade de salvar a noite num Chil Out. Depois de marchar cabaleante junto dos primeiros atletas dominicais e turistas em Ipanema, consegui voltar ao bairro, em direção a casa do amigo filipeteiro que começou com tudo.

Na banca de jornal, comprei o JB e pude me ver na Revista de Domingo, deformado pela grande angular do fotógrafo xará, mas bem emoldurado pela vista da cidade maravilhosa. Pena que o Luciano não usou a maioria das coisas legais que eu tinha falado pra ele, aquelas minhas teorias de que a Internet é nossa, e não desses bundões das corporações. Mas deixa pra lá, aquilo lá é mais um link, e seja lá quem for que acessar só vai curtir se tiver a mesma afinidade revolucionária.

O Chill Out tava cheio de pessoas estropiadas portando incensos e baseados. O único que parecia realmente disposto era o Dee Jay, no mais aquela incomunibilidade latente e um casal de lésbicas em crise existencial. Depressão Freak Show 2001, tudo que precisava!

Chego em casa por volta de uma hora de domingo para surprender-me que a obra no apartamento em frente está em pleno vapor. Desde que se mudou há um par de meses, a gorda dona de casa comanda a série de interruptas e misteriosas obras, horas a fio de segunda a domingo. E que barulho os cretinos fazem, pra combater só com dub muito, muito altoBatizei a coroa ganhou o apelido de "Capitã do Mato" e a misetriosa e interminável obra de "canal do Panamá".

Passei o resto do dia enfraquecido, estirado na cama ouvindo som e tendo sonhos bizarros. Tinha essa mina que era alguém bem familiar, só lembro que era loira e tinha corpo dourado, parecia uma espécie de celebridade, mas na real soava como alguém que eu tivesse pra conhecer. Eu vencia um obstáculo e ela aparecia, dava um beijo e sumia, dando espaço a novos obstáculos, cada um mais bizarro que o outro num Loop que eu não conseguia combater, mesmo sonhando acordado.

Segunda feira não foi muito diferente… Com o diferencial que recebi visitas trazendo beises e cervejinhas que devorei entediado, até que aburrido me dei conta que não tirara os pés do apartamento o dia todo, e mesmo sendo pra lá de uma hora e estar chovendo me enfiei em três camadas de roupa e parti pra casa da matriz, pra maldita, a festa cujo tema é "comece a semana se acabando".

Alguém disse que o apocalipse é um ótima desculpa para tocar uma suruba, de fato a casa estava cheia de gente montada, animada e embebedada. Mas tava estranho, eu não tava conseguindo me sentir a vontade, tentei dançar e bebi. Mas algum desânimo tava tomando conta de mim, e eu não conseguia prender a atenção em algum broder por mais de dez minutos, a gente trocava umas idéias, depois partia seu lado.

Até que eu foquei os olhos nesta menina de dread, olho claro e inúmeras tatoos. Eu não sei quem deu a primeira palavra, mas a irmã dela, uma menina bem nova, me apresentou como "o fotógrafo Alexandre Matias", uma coleguinha de mais ou menos mesma idade completou "ele estudou no Zaccaria! Eu lembro!"

Dai foi aquela complicação pra explicar que eu era o fotógrafo Matias Maxx e ela desculpando-se, dizendo que eu não era quem ela pensava, o fotógrafo Alexandre Matoas. Tentei consertar explicando que eu era o fotógrafo e que o Alexandre Matias era um jornalista de São Paulo. O fato de eu conhecer o tal do outro matias só complicou mais a cabecinha das meninas, que logo dando sopa pra eu trocar algumas idéias com a mina dos dreads, profundamente decepcionada com o rio de janeiro e decidida a partir pro interior da Bahia bem em breve. Manjada fuga da desgraça do mundo, cada vez mais comentada por amigos worldwide, pode ser encarada como coragem ou covardia depende do contexto.

Mas esta mina de Dreads não parecia ser uma pessoa covarde, na real ela tinha bastante atitude e pulso. Mas uma misteriosa ferida, algo extremamente particular que a pertuba, mas ela guarda com segredo, com o poder de disfarçar facilmente a qualquer questionamento.

Puta que pariu! Ser curioso é mesmo uma grande merda!
A Semana virou, como meu broder Emerson Gasperin disse, cada um achou que o atenatdo teve uma influência em sua vida, o leteriro "famous pizza" de um dos videos do atentado parece até sacanagem. Meia caixa já foi, minha garganta sarou e o narguilée virou default denovo, mas não dá pra ouvir Rabanes ou Fermin Muguruza muito alto, eu perdi o aniversário da bunker mas preciso de algo mais. Ouvi dizer que o Marky toca hoje na Bunker, enterra dos ossos de ontem. O segurança é um merda. Mas lá sempre é limpeza. A buker era massa no primeor ano, quando desbancou a Guetto, que era foda, o primeiro e segudna aniversário eu tive, ontem dei mole, hoje tou lá!

"Me falta el Aliento, la culpa y la pasta, la gana de ver-te, en canto y la dor de mis ojos"
Estopa - Me Falta El Aliento

"Bere Bar"
Fermin Muguruza - Bere-Bar

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