21.9.01

SOLTA O CARA!

Puta que pariu! Eu sabia que era uma parada arriscada! Puta que pariu e eu sabia que o amigo tava voluntáriamente emendando roubada em roubada. A malandragem excessiva me irritava as vezes, mas a carinhosa e cumplice amizade vencia, ah! E tinha o respeito. O respeito de ter encontrado o único cara mais corajoso, louco, incosequente e irresponsável do que eu.

Era uma parada arriscada, mas tudo ia correr bem, era só não dar mole pro azar. Mas depois do segundo telefonema comecei a recomendar o "Abort Mission", "Isto está me cheirando a roubada", "cai fora daí, amanha a gente procura outro contato!". Mas o amigo disse que o cara tava atrasado, mas que tinha ligado, só isso! O vagabundo que tava com ele já tinha riscado e movimentado. Puta roubada, só faltava uma placa.

As trigêmias de Brasília discutiam com seu sotaque e termos bizarros, as minas pareciam mesmo dispostas a destruir a minha casa ou me expulsar dela, o que rolasse antes. Elas não bebiam, fumavam ou trepavam, nem diziam malaspalabras e eram magrinhas demais, mas exóticas, boas pro cartão postal. O Mamata tava querendo fazer o macarrão logo, cortei o gordo: "deixa pra quando ele chegar, se for prensolto denovo a gente refoga na madeira".

Beeem mais tarde, quando as trigêmias já tavam trancadas no quarto (elas tinham o costume de zanzar por aí nuas, sei lá!) a porra do telefone toca.

- já temo a parada, vamos dividir o k e rumar praí
- Cê tá maluco!? Ponte a esta hora!?? Não rola! Deve ter Blitz!
- Limpeza! Espera a tocha!

Foi algo mais ou menos assim, não me lembro direito.Era uma parada arriscada. Puta que pariu! Me lembro bem do telefonema seguinte:

- Cê até sabe o que aconteceu né!?

Eles tavam num ônibus. Puta que pariu! Ônibus! Cada um num canto, ele com o flagrante na pasta, traçando um danoninho na maior inocência. Os meganhas entraram pela frente e fizeram a cesta de chuá. E tem filho da puta que não acredita em X9!

Na delegacia, um babaca de algum jornal ficou enchendo o saco dele que retrucava fazendo careta pra foto, até muito puto soltar a pérola: "Porra! Já sei! Você é daqueles que copia Release!!!"

É que na semana passada uma vagabunda tinha me dito isso e deixado muito puto. Parece que esse reportér era o maior pentelho. Mas no trajeto até a delegacia tiveram vários telefonemas, negociações e finalmente um bolo em território remoto. Voltei daquele Leste Selvagem derrotado, enfraquecido e desiludido. Passei mal, não dormi e fui direto pra casa do Fred Raimundo, pra clicar ele pra BiZZ. Minhs mãos não paravam de tremer e ficou uma merda! Culpa, cumplicidade e a certeza de que se fosse minha pele, a coisa se resolvia com grana. Que derrota!

Visitei o amigo assim que rolou, na infecta 73, onde tiveram a piedade de colocar o mosca na cela dos Bíblia ("Seguro de cú malandro!"), um 3x4 com inúmeros piolhos do tamanho de um botão e mais de vinte crentes. Depois da revista básica o encontro rolava num pátio fechado, com as paredes furadas de bala, grade eletrecutada no teto e forte cheiro de merda. Todo mundo olhando pra baixo pra não arrumar encrenca pro lado de seu amigo. O Amigo manteve o bom humor, contou histórias bizarras e discursou como um religioso fanático, como sabia ler, ele começou a pregar a Bíblia pros detentos. Virou guru, enganou todo mundo, menos eu! "Aqui com um pouquinho de inteligência tu faz um estrago" confessou quando ninguém tava olhando.

Dai a gente fez vaquinha, arrumou um advogado da área e consegiu alegar que ele era um viciado irrecuperável e transfiriram o amigo pra um manicômio judiciário, com banho de sol diário (lá na 73 era uma vez por semana), futebolzinho, sinuca, tratamento psicológico, cama e rango pra todo mundo. Tinha também um computador pré-histórico que ele podia usar uma vez por semana sob desculpa de ser voluntário digitando "Metamorfose", um jornalzinho que circula nas cadeias, com poesias, textos e orações dos detentos. O cara fazia tudo na maior pressa e depois partia pro NotePad e o IE3.0 instalado na carroça, disse que desenvolveu um Purrinha em JavaScript que logo estará por aqui. Desenvoleu um clube da luta também, mostrou os machucados dele e dos amigos. Mas isso já é outra história…

Passam-se sete meses e finalmente rola a porra do julgamento semana passada. A gente fica sentado horas naquele Fórum sujo, povoado de canas pestilentos arrastando detentos pra lá e pra cá como peças de carne e advogados gordos e escrotos. Nada de assento de madeira lustrada pra platéia, teatrinho e perucas rídiculas. We're in the jungle baby! Tava todo mundo lá, menos os ratos de merda que pegaram ele e teriam de testemunhar contra. Mudaram o julgamento pra hoje, com todo mundo intimado a comparecer.

Hoje os furingos tavam lá e conforme acertado ateriormente, falaram que pegaram ele numa inspeção de rotina e só. A psicóloga e a médica do manicômio, conquistadas pelo amigo convenceram a juíza que ele era dependente, mas estava quase recuperado. Uma sócia da mega-corporação onde conheci e trabalhava com o amigo falou que sabia que seu funcionário era maconheiro, que inclusive ele tinha sido pego fumando na garagem com um colega (heehehehhe) pelo segurança do edificio, e que apesar disso ele trabalhava pra cacete e isso não afetava seu desempenho. Um ex-professor e muito próximo ao amigo também deu uma força.

E o Mosca voltou a voar! Tá na pista segunda! Foi foda! Vencemos esses hipocritas, com euforia e total descrédito no sistema, porque se ganhamos foi porque provamos que o cara não era um fudido. Só isso.

A cena mais escrota foi ver o rato de cinza, aquele que pegou o amigo sair de seu depoimento, aproximar-se de nós, lá mesmo no forum e dizer:

- Não tem justiça aqui... Você acha que tá numa democracia!?
Proibicionismo Surreal roubaram sete meses do meu amigo. E a cada dia rouba décadas da vida de jovens fudidos pelo Brasil. Use a inteligência e cague na Hipocrisia.
L E G A L I Z E J Á

Pra fechar, um som do Catra:

Vida Na Cadeia - Mr Catra

"Liberta Coração! Liberta Coração
A vida na cadeia amigo não é mole não
a vida na cadeia não dá nem pra imaginar
acredite meu amigo só vendo para falar

na mão do delegado ele tem que responder
não importa o motivo já sabe que vai sofrer
o elemento vai depondo o que aconteceu
escreveu não leu oi meu amigo pau comeu

chegou na carceragem vem a recepção
é dificil meu amigo a divisão de facção
de um lado só amigo, do outro só alemão
todos eles vêm sofrendo dia a dia na prisão

É Bangu I É Bangu II,
Força meus irmãos a liberdade os espera
Agua Santa Frei Caneca Sá Carvalho e o Galpão
que o justo amenize a dor no seu coração
Lemos Brito Hélio Gomes e a colônia de Magé
para todos os internos muita paz, amor e fé
Ilha grande acabou mas também teve sua história
pois lá muitos sofreram e ainda guardam na memória

Autoridades Competentes por favor tenham dó
Atravessem os internos para um mundo melhor
ajudem essas pessoas a ter recuperação
para que um dia possam ser chamado cidadão

No dia da visita é que é dor no coração
é ver os mais queridos passando humilhação
eles revistam seus parentes como fossem animais
até o respeito amigo não existe mais..."


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