29.11.02

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Voltando ao centro da cidade, no fim do primeiro dia de filmagens de “Monstros L.A.P.A.”… Tava pra começar “Hollywood, Hong Kong”, interessantísimo midnight movie sobre um cafetão que comanda um serviço de putas via internet de um barraco numa favela de Hong Kong. Excelente filme cheio de orientais vestidas de colegial, ruídos de ICQ e carne de porco, pena que outros porcos não deixaram a gente ver o filme até o final. Se durante o dia todo os Inumanos estavam pagando mico, chegara a minha vez.

Invadimos o cinema cheios de tralha, mochilas, toca-fitas, uma bolsa enorme com roupas e a lança zulu de dois metros. Nos direcionamos pro cantinho do mezanino do cinema, onde ninguém vai e a gente pode conversar numa boa, sem atrapalhar ninguém. Assim que começa o filme uns seguranças aparecem e dizem que nas cabines por ordem da gerência só de pode assistir os filmes lá embaixo. Nós dissemos que estávamos lá em cima porque gostavamos de… conversar durante as sessões… comentando o filme e tal! Coisa de crítico! E lá embaixo estava lotado e a gente não queria incomodar ninguém. Não colou!!!

Decemos e sentamos na última fileira, relativamente isolada e começamos a curtir o filme. O filme tava ótimo e lá pela metade vimos que tava na hora de queimar uma conversa. Lá mesmo, lá embaixo, foda-se! Todos aqueles criticos e filões estavam acostumados a isso mesmo então nem existamos. Bem, quando nosso papo chegou na ponta vimos aquela lanterninha lá longe, dispensamos o papo-furado e prestamos atenção no filme. O segurança, um babacão de olhos azuis e cara de boneca só passou encarando-nos, e saiu da sala. Uns dez minutos depois ele retorna.

- Desculpe-me, mas a gerência quer que vocês se retirem da sala!
- E porque isso!? – respondi sem me mover do lugar!!
- Ordens da gerência!!!
- Escuta amigo! Eu tou trabalhando aqui! Sou crítico de cinema! Por favor deixa eu ver o filme! Você está atrapalhando meu trabalho…

Meus dois amigos insistiram no caô e o segurança deu o fora da sala mais uma vez. Ainda não tinhamos chamado muita atenção das outras pessoas que lotavam a sala. Daqui a pouco o segurança retorna com um sorriso maléfico e eu já presenti que aí vinha merda, mas não mudei meu descurso…

- Tem gente lá for a querendo falar com vocês!!!
- Foda-se!! Eu preciso ver esse filme, e não sei do que você está falando!!!

O cara saiu denovo e em menos de cinco minutos retornou com dois ratos fardados de cinza. É claro que o papo já tava malocado há muito tempo. O PM mais coroa, com a pistola na mão foi logo dizendo

- Todo mundo aqui pra fora!
- Ihhh… Qual é!? Que que a gente fez!???? – tentou argumentar algum de nós, ainda sentado.
- PRA FORA PORRA!!! – Disse o PM, em voz alta apontando a arma pra gente, enquanto o lanterninha ofuscava nossa visão jogando a porra da lanterninha na nossa cara e tudo que eu conseguia ver atrás da silhueta do PM era toda aquela massa Cult revirando-se nas poltronas pra me encararem assustados… Puta que pariu! Eu não ia deixar barato!!!
- Eu sou reportér do maior jornal do Estado!!! Tou fazendo meu trabalho! Me deixem em paz porra!!! – Dizia enquanto saia do cinema carregando minha tralha e puto da vida, sem mentiras, apenas pontos de vista!

Uma vez fora da sala, os canas queriam nos fazer entrar numa salinha apertada do cinema, para dar uma “geral”. Que merda! Mas que segurança cuzão é esse que chama a polícia!? Aposto que ele fez isso passando por cima da gerência do cinema, porque tudo que estes queriam era prender alguém na sua sala numa sessão cheia de jornalistas. Ahhh não! Eles pediram! Agora a gente tinha que fazer um escandalo! Eu e Babão partimos pra essa estratégia!

- Ihhh… Que revistar que nada!!! Diz aê! Que que a gente fez de errado!?
- Vocês sabem! Agora entrem lá na salinha antes que…
- Cês tão ferindo meus direitos de cidadão!!! Vocês não podem nos tirar do cinema assim!
- A gente pode efetuar uma revista sem mandato!!! Se vocês se recusarem a gente pode levar vocês pra delegacia onde eles vão fazer a revista de qualquer jeito! E eles vão achar!!!! – Dizia o PM mais velho, baixinho e com cara de nordestino.
- E lá é delegacia legal!!! Lá não tem essa de papo!!! É artigo desseseis – Completava o outro rato, preto e barrigudo.
- Vocês querem revistar a gente é isso!??? Então revista porra!!! – Disse o babão em voz alta colocando as mãos na parece e abrindo as pernas como naqueles seriados gringos que eles se amarram.
- É revista a gente porra!!! – Disse eu, abrindo a minha mochila cheia de câmeras, lentes, cadernos, filipetas, rolos de filme e uma porrada de lixo e tralha – Agora revista e me deixa voltar pro filme porra!
- Tá bom! Tá bom! Tá bom! É o seguinte!!! Vão embora daqui!!! Vão embora! Só não voltem pra ver o filme… - Dizia o PM, já de saco cheio, vendo que a gente não se assustava fácil. Nessa o panaca do segurança do cinema já tinha entrado e saído da sala duas vezes procurando o papo dispensado.
- Ah! Qual é!!! Eu tenho que ver esse filme… eu Sou jornalista! Trabalho no maior jornal…

Queria voltar pra ver o filme porra! Mas não tava colando! Lembrando daquele episódio do Hunter Thompson no Rio de Janeiro resolvi não insistir. Ah sim! Parece que por volta dos anos sessenta o Thompson passou um tempo aqui na cidade maravilhosa fazendo um trampo de correspondente, sei lá! No site da Araciça tem até uma foto dele no Leme. Dai parece que num certo dia ele e um amigo idiota descolaram uma arma e resolveram atirar nuns ratos num terreno baldio perto de uma favela, a porra do Thompson é fascinado por armas, a favor do armamentismo civil e o caralho! Não demorou pra neguinho chamar a polícia, porém o Thompson malandro que é dispensou a arma antes de ser preso, no entando chapado que é esqueceu umas balas no bolso. Parece que ele foi interrogado por horas na delegacia do turista e no final da história conseguiu desenrolar e tava com os pés em cima da mesa brindando com o delegado. Foi nessa hora que as balas escorregaram de seu bolso e ele foi deportado devolta pros Estados Unidos. Parece que ele não pode voltar aqui nunca mais. O Brasil é foda! Estraga qualquer um! Ate o Batman!
Eu certamente não queria dar uma de Thompson depois de ter me safado tão bem, então resolvemos sair do cinema.

Quando pisamos na cinelândia, do lado de fora do Odeon, os PMs brotaram mais uma vez. Só que desta vez eles se aproximaram num tom de voz diferente, bem mais tranquilo e malandro. Diferente da cagação de autoridade que mostraram no hall do Odeon.

- Porra! Vocês acham mermo que a gente ia prender vocês por causa de um baseadinho!??? Vocês quase estragaram tudo! – Diz o PM mais velho!
- É! A gente queria que vocês entrassem na salinha pra dizer isso! Sabe como é, na frente de todo mundo a gente tem de cumprir nossos papéis!! – Completa o barrigudo!
- Se liga! Já são quase seis horas! Daqui a pouco meu parceiro aqui vai pra casa encontrar com a mulher e os filhos! Você acha mesmo que ele quer ir pra delegacia prencher B.O.? Isso leva tempo pra caralho!!! – Continua o coroa.
- Faz o seguinte! Não voltem no cinema hoje não porque senão aquele segurança babaca vai ficar enchendo o saco! Pega esse baseadinho e vai fumar por aí!!! Porra! Fumar no cinema é sacanagem! Tanto lugar maneiro por aí… – Emenda surrealmente o gorducho!

O que mais a gente podia fazer do que sair de lá dizendo “valeu… valeu…”. Dai a gente dobra a esquina e se caga de rir. A gente perdeu o filme que tava bom pra caralho! Mas pelo menos uma vez na vida a gente virou o joguinho de gato e rato dos canas. E o melhor da história é que o PM concorda que o segurança do cinema é um cuzão e que não vale a pena perder tempo prendendo maconheiro. E a porra da televisão dizendo que a gente é culpado pela “audácia do narcotráfico”. Fala sério…

Voltamos a ter problemas com os canas no último dia da filmagem, quando gravamos a cena em que o detetive Ênio arremessa o Heron de cima dos arcos da Lapa. A gente queria filmar no fim do dia para aproveitar melhor a luz, o que a gente não contava era que essa é a hora em que mais passa bonde pelos arcos e que ia chover pra caralho no dia. Portanto, além de ter de proteger a câmera da chuva e ficar carregando uma besta de madeira e um boneco do tamanho (e do peso) de uma pessoa pra lá e pra cá em cima dos arcos ainda tinhamos que esquivar do bonde a cada cinco minutos. Como? Apoiando-nos numa gradezinha muito fuleira e encolhendo a barriga pra dar espaço pro bonde sempre escoltado por um cana que olhava bolado.

Numa dessas o cana barrigudo pede pra parar o bonde apontando-nos a pistola.

- Que porra é essa? Que que cês tão fazendo aqui!?
- Errr… uma filmagem senhor! A gente é do grupo de teatro da fundição progresso!!!!
- Sei… Ei! E que porra é aquela na mão dele? Uma besta!? Me dá essa besta! Isso e arma branca!!!
- Na besta do meu avô ninguém toca – disse o Juca, dono da besta, abraçando-a.
- É do avô dele… estamos usando na filmagem… Essa porra nem tá funcionando…

O cara acabou dispensando-nos. Mas não seria nosso único encontro desesperador do dia, mais tarde quando tava chovendo pacas e resolve,mos gravar o Ênio arremessando o boneco de uma vez rola o climax da filmagem. O Ênio tava em cima dos arcos com o boneco e o Juca. Como só eu que tenho celular nesta merda a comunicação era feita aos gritos mas mesmo assim o Ênio não conseguia (nem tava afim de) entender muita coisa. Quando ele chegou na arcada que tinhamos escolhido e começou a erguer o boneco avisei o horror! O horror!! Quatro policiais fardados vinham caminhando do outro lado dos arcos a caminho exatamente do pico onde o boneco ia cair. Eles não tinham visto o Ênio e tavam caminhando tranquilamente em fila indiana, imaginando o desastre que poderia acontecer se o boneco caisse do lado, ou em cima de um deles tratei de avisar o Ênio pra não jogar o boneco, mas sem desespero pra não chamar atenção dos policiais.

E o Ênio não ouvia nada… Felizmente o Juca se ligou nos policias e avisou o Ênio que segurou o boneco por alguns segundos mais, o tempo exato dos policiais passarem por debaixo dos arcos, sem perceber nada. Mas daí o bonde aparece e o Ênio liga o foda-se e joga o boneco. A filmagem ficou linda, e os policias viram tudo. Eles ficaram parados olhando pro boneco, em estado de choque e depois viraram as costas, entraram num opala preto sem placa e sairam na contramão.

Se eles não tivessem que matar alguém na baixada nesse dia a gente tava fudido!

***

Tamos lançando o clipe, mostrando o underground do rio pro planet, mostrando como os cariocas provam que dá pra ser original e criativo no hip hop. Que dá pra falar de tudo sem ser da maneira de sempre. Hoje os Inumanos invadem o Hutus nessa função. O Hutus rola há três anos e já é o maior festival de rap do país, esta vai ser a primeira edição onde o rap carioca vai ser representado por outros artistas além do MV Bill. Uma revista gringa de hip hop fez uma matéria ótima sobre o gênero no Brasil e principalmente no Rio, além das fotos do Aori, do Bill, do D2 e do Bernardo a matéria abre com uma fotona de uma mina de top, short, chinelo, uma metralhadora e um pente enfiado dentro do short. Tem informações muito interessantes e precisas sobre as facções, os proibidões (“the song “fogo no x9” or “bur the informer”) mas também tem umas viagens… Coisa de gringo.

O Hip Hop florece nos quatro cantos da cidade, mas lamentavelmente quem mais enriquece são meia dúzia de produtores pit-boys com dinheiro pra investir e uma massa de playboys idiotizados pela imagem de DMX e Snoop Dogg travestidos de marcas caras e terjeitos rídiculos. Há histórias de amigos MCs que foram convidados a trocar um papo com os “jovens empreendedores”, o termo que a mídia usa pra chamar esses filhos da puta de amanhã. O papo foi mais ou menos assim:

- Tu Sabe que o Hip Hop tá na moda. Acredito que é um mercado que dá pra gente explorar ao máximo nos próximos três anos, então eu tou te chamando pra te ajudar, já que tu tá nessa a vários anos. Ma santes queria tirar umas dúvidas me diz, Cidade Negra é hip-hop? Planet Hemp é hip-hop? Max de castro é Hip Hop? Nando Reis é Hip Hop???

Sem noção… e sem contar que a tal da “ajuda” é tipo um cachêzinho de cinquenta merréis… Mas a gente vai sobrevivendo, a boa das quintas feiras agora no verão é o projeto COLISÃO que inaugurou com um show do Inumanos e “Os camisa Preta” (banda formada por roadies do planet hemp e outras bandas, já repararam como os roadies sempre usam camisa preta?), o próximo é do Quinto Andar com o Cabeça. Nada pra isolar, só pra somar!

Eu já disse que nesta época do ano elas estão descontroladas? Estão mesmo… A cada ano que passa esta época tras mais alegria e confusões relativas a essas belas e queridas espécimes da natureza – as mulheres. Estes meses foram fodas, quando eu consegui me libertar do bolo de figurinhas repetidas que vinha colecionando no decorrer do ano e encontrei uma menina com quem achava que ia conseguir dar um gás num relacionamento eu saio pruma balada e esbarramos com umas cinco figurinhas repetidas que me dão a certeza que não dá pra deixar de ser Matias Maxx. Dispenso essa relação possessiva e insana pra conhecer uma outra mina bem mais relax e ir vivendo o verão, aquela preciosidade do passado volta a me dar bola e ao mesmo tempo que eu me dou conta de como ela cresceu tenho a certeza de que a gente só não deu certo porque eu tava começando a ficar Matias Maxx desse jeito… E eu vou te dizer que adoro essa mina, e não me arrependo de nada que fiz na minha vida!!!

***

E pensar que outro dia um reporter aê me fizeram ficar passeando na lapa fingindo estar filmando, enquanto me filmavam com uma Betacam dez vezes maior que minha Mini-DV… Pelo menos mamãe viu e ficou orgulhosa…

É isso! Falei demais! Mas é pra esse povo que lê Info Exame demais não reclamar…

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