29.11.02

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Finalmente lançamos o clipe de “MONSTROS L.A.P.A.”, mega-produção onde levei ao limite minha escola Gonzo-Dogma 1,99. A festa e primeira exibição pública rolou dia 24 na festa Miami-Rio no Ball Ruim, o público lotou a casa e se acotovelou pra ver o clipe rolando no telão. Foi bem maneiro ver reações e ouvir comentários.

- Caralho! Que tosco!
- Caralho! Parece filme do Zé do Caixão!
- Caralho! Quanta gostosa!!!

Empolgados pelo desempenho do vídeo de “Ontem eu Sambei” do Wado, resolvemos fazer um clipe que não seguisse exatamente a estética corrente dos clipes de hip-hop, sobretudo nacionais, aquelas coisas de neguinho falando com a mão, favelas, câmeras em 30 graus, armas, mãos, mãos, mãos…. Até porque o Inumanos é um grupo de rap que têm uma temática bem mais abrangente que essa. No final das contas não teve saída pra filmar onde não tenha rolado algum problema, por sequela da produção ou subversão.

Qual foi a felicidade quando filnalmente levamos o clipe pra MTV no dia 26 e em 10 segundos de clipe o Caio, o responsável por receber os clipes diz:

- Porra! Maneiro que não parece esses clipe de hip hop!!!

O cara ficou animadissímo e disse que o clipe vai estréiar no YO! mas que vai colocá-lo em outros lugares da programação. Ele passou o clipe várias vezes na apertada sala cheia e gente entrando, saído e dando seus comentários. O Chorão (esse mesmo que você tá pensando) ficou amarradão e perguntou da onde a gente era

- Lapa!
- Hehehehehe… Lá só tem cachaceiro!!!

O João Gordo também tava na sala, só que de costas, uma pena, senão ele teria reconhecido o Heron, que no último show que o Uzômi abriu pro RDP surrupiou o fudêncio, que por sinal aparece no video clipe. O Heron já trabalhou na banca de jornal a mãe do Aori, eles se conhecem desde moleques, já estudaram na mesma sala e fizeram milhares de filmes trash dirigidos pelo Heron com muita groselha e ossadas de boi descoladas no açougue. Os inimigos eram sempre invisíveis, espíritos ou vírus devoradores de carne, uma beleza. Pro clipe resolvemos fazer um filme de terror e chaamos o Heron pra ser o monstro e diretor de efeitos especiais. Inventamos dezenas de mortes e recrutamos um monte de amigo, no final não filmamos nem a metade do que planejamos mas tinhamos material pra fazer uns quatro clipes. A intenção inicial era colocar o mínimo possivel de Babão e Aori no clipe, mas mesmo assim resolvemos começar as filmagens gravando os caras rimando nas ruas usando umas túnicas, mó micão!

Os Inumanos mais o Ênio, que faz o papel do detetive e é o assistente de produção (e cara que tenta agendar as paradas e arrumar os lances pras filmagens) do babado desfilaram com as túnicas pelas ruas da lapa e o centro da cidade, em pleno meio-dia claro. Carregavam meu toca-fitas guerreiro, uma lança zulu de dois metros (“lembrancinha da Africa” que meu avô me descolou!) e uma placa escrito INUMANOS. Os comentários dos transnuentes eram peculiares:

- PU-TA QUE PA-RIU!
- Mas que palhaçada…
- Meu Deus! Onde este mundo vai parar???

Estávamos pagando mico perto de um ponto de ônibus lá na Avenida Chile quando um crew de B-Boys nos avistou, dissemos que estávamos gravando o clipe dos Inumanos e eles nem hesitaram em começar a mandar moinhos de vento lá mesmo, na calçada, em pleno centro da cidade. Eu me pergunto se essas coisas acontecem em Sampa ou NY… Valeu É NÓIS CREW de Santa Cruz – ZO pela participação no video… Em seguida ficamos sabendo que tava rolando um evento de Rap na estação de metrô da carioca, invadimos a situação e gravei um frestyle do Aori naquele palco, e o Babão tocando junto do DJ que tava lá (não lembro o nome mas o cara era bem bom!). Também filamos umas quentinhas no camarim improvisado e ralamos o peito quando ficamos informado que logo mais um pessoal de uma ONG com mó papo de evangélico ia assumir o evento. Pagamos nosso mico final na Uruguaiana e no Largo da Carioca e suspendemos as filmagens do dia, já era tarde, o Aori tinha que buscar a irmãzinha no colégio e eu tava afim de ir ver uma cabine no Odeon.

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Ah sim! Para compreender melhor as filmagens de “Monstros L.A.P.A.” é preciso compreender a época em que ela rolou, nos meses se setembro e outubro de 2002. Setembro sempre é um mês clássico, e mês de festival de cinema, é quando a cidade começa a ficar quente, o ano tá acabando e o que o povo quer é trepar e se acabar. É a época em que ninguém mais aguenta ficar em casa e vai pra rua interagir, conspirar e fazer dinheiro. Neste ano foi uma época especialmente conturbada por conta de uma das eleições mais disputadas de nossa história e uma série de eventos tão surpreendentes quanto lastimáveis no rio de janeiro. Uma época onde sobre tudo “elas estão descontroladas”.

Numa grande metrópole tem de tudo, até barão do petróleo. Transborda investimento, bocada e desigualdade, mas se tu é malandro come pelas beiradas legal. Setembro sempre é o mês das bocadas, com o Festival do Rio por aí, começam a rolar as premieres e festinhas, daí vem o festival com aquele bafafá todo que sempre culmina numa festa de encerramento no Odeon sempre muito divertida graças ao alto insumo de destilados, fermentados e baforados.

No CMI de Nova Iorque eles tem um cartaz que diz assim – O que você quer comer hoje!? Sushi!? Pizza? Massa? Carne… Do lado da opção desejada tem o endereço dos restaurantes e o horário que eles jogam fora o desperdício devidamente empacotado em quentinhas à disposição da galera. Sempre dá pra comer pelas beiradas se você tem o contato certo. Quem tá devagar sempre pode ir pro nove, onde sempre dá pra se divertir apesar daqueles tranceiros idiotas que pousam de neo-hippies e sujam a porra da praia com suas embalagens de GuaraPlus e afins. Eu pelo menos cago pra essa porra de saúde e bebo cerveja, e a cada dez minutos tem alguém perguntando se eu já acabei pra levar minha lata pra reciclar. Outro dia fui encontrar com minhas amigas modelos na praia levando o meu fiel radinho toca-fitas mono dos anos oitenta. Cheguei ouvindo Sabotage com o Aori e até o fim do dia reunimos inúmeros DJs, MCs e afins de todo o rio por ali, os pit-boys e aquelas meninas de família que têm até endereço fixo só não nos olhavam como um bando de “paraíba favelado” porque a Diana Bouth tava com a gente amarradona. As vezes eu acho que não são eles, mas eu que moro no planeta errado. Mas que nada… Nada disso…

O Festival de Cinema é engraçado, todo ano rolam cerca de quatrocentos filmes e tu vê gente pra caralho, gente que tu só vê nessa época do ano, se esbofeteando pra esgotar as salas de meia dúzia de filmes. Dependendo do filme que tu vai ver é mó pala de desfile ou confraternização de amigos (se tu tá indo num daqueles midnight movies). Legal mesmo são as cabines de imprensa, que começam umas semanas antes do festival e prosseguem durante este pelas manhãs. É divertido, tu vê uns quatro filmes seguidos de graça e fica comentando com os amigos nos intervalos e bolinando as amigas nas projeções. Nesta época do ano o clima começa a ficar inspuortávelmente quente, as teclas do meu mac ficam todas meladas e ninguém aguenta ficar sóbrio ou dentro de casa. As pessoas ficam malucas e as coisas acontecem, grandes negócios e grandes putarias floreiam o verão. Ah! Que bom que aquele frio filho da puta acabou!

As cabines abriram com “Spider” do Cronenberg, geral babou ovo mas eu e o Remier que estávamos esperando aquelas paradas Gore de antigamente ficamos meio decepcionados. Tudo bem que o ator manda muito bem e a direção é asfixiante… Taí… acho que foi isso… o filme sufoca legal, é pesadão, chato… Nos dias seguintes vimos uma série de filmes Latinos, a maioria do Chile e da Argentina, onde predomina o cinema-pilantragem. É impressionante, mas o anti-herói é o herói deste hemisfério mesmo. A descrença nos sistemas vigentes é unanimidade no continente de maneira que a transgressão e subversão são cada vez mais sedutores.

O meu Rio querido já não tem nem mais heróis ou anti-heróis. Nesta época do ano a chapa começa a esquentar legal, o cinema invade a cidade e deixa todo mundo com mil idéias na cabeça, o calor empurra todo mundo pra praia, e quem não pode tar lá fica ainda mais puto. A chapa esquenta e as eleições ajudam. Pela primeira vez desde que nasci um filho da puta diferente vai ser presidente, a direita enfraquecida toca seus golpes sujos a torto e a direito. Comemorando o primeiro ano de uma nova era o 11 de Setembro no mundo todo teve crianças bravejando as estrelas e faixas azul-vermelhas e um clima de paranóia geral. Enquanto isso o Rio de Janeiro segue cada vez mais neurótico desde que sairam prendendo todas as lideranças do tráfico que apesar de continuarem comandando tudo desde os presídios (via celular ou advogado, foda-se) não conseguem controlar o ânimo dos mais exaltados do bonde, aqueles malucos que tão cagando se vão levar a bala hoje ou amanhã. O terror comia adoidado pela cidade, principalmente na area dos terceiros, mais desorganizados e exaltados, dai o Beira-Mar, grande responsável por esse bagulho paraguaio prensado e fedorento que a gente chama de maconha, resolve dar um jeito, escolhendo o 11 de Setembro para tal. As cabeças de quatro terceiros que viraram mun-há foram empilhadas no pátio de Bangu, enqaunto um dos líderes dessa facção era torturado e obrigado a ligar pra todas as suas bocas falando que tinha migrado pra facção do Beira-Mar… A governadora Benedita intervém, tranca os chefões a sete chaves no QG da PM e é bombardeada de todos os lados. Nenhuma dessas pesquisas eleitorais sem vergonha disse que ela ficaria em segundo lugar, de maneira que muita gente anti-Garotinho deixaram de votar nela pra votar nos candidatos que eles diziam estar em segundo lugar. No final das contas a Benedita ficou em segundo, mas com insuficiente votos pra levar a disputa pro segundo turno. A Rosinha Garotinho, eleita pela massa de evangélicos ignorantes que povoam o estado (porque NINGUÉM é tão idiota pra votar nessa puta) já avisou, vai tirar os bloqueadores de celular dos presídios e a Benedita, tá jurada de morte pelo CV. Agora me diz… quem tá de que lado mermo!?

No 11 de Setembro tava tendo uma festa no Odeon (sempre lá), enquanto a Zona Norte toda estava no maior caos com as favelas do TC fechando escolas e comércio desde de manhã e o pessoal que trabalhava no centro impedido de voltar pra casa. Como a Zona Sul é toda do CV eu nunca tive esses problemas, e na data essa era até uma desculpa pra levar alguém pra dormir em casa. Dias depois, exatamente seis dias antes da eleição as escolas municipais de toda cidade amanheceram fechadas, e logo comerciantes por toda cidade foram pressionados por telefone ou visitas a seus estabelecimentos a “fecharem a loja”. Era uma segunda feira ensolarada, e logo todo o comércio da cidade estava fechado, a maioria dos transportes públicos deficientes (as barcas rio-niterói nem sairam da estação) e a praia lotada. Amigos que foram a praia diziam que a maioria das pessoas ficou sabendo das ameaças via boato, mas mesmo assim fecharam a loja e foram pra praia, óbvio! O carioca sabe tirar proveito de tudo.

Visto assim parece até malandragem mas a real é que foi o maior micão. A justificativa desse “luto” forçado era que a prisão do Beira-Mar violava os direitos humanos, visto que estavam lhe negando visitas. Aliás todas as ações do CV desde então começaram a serem identificadas pela mídia como “atentados”, cada vez mais se esforçam para tornar os criminosos que a gente conhece em terroristas. Aqueles que o W.Bush jurou erradicar de todo o planeta. Mas a gente que é inteligente vê que não é bem assim, com o poderio bélico desses grupos, sua lógistica, populariedade e grana eles poderiam muito bem sacudir o país numa guerrilha revolucionária em algum ponto de vista. Mas não, fica cada vez mais claro que estes grupos tem envolvimento direto não só com as policias como políticos e milicos, especialmente aqueles dos setores mais reacionários.

Nessa segunda-feira sem lei fui assistir um show do Los Hermanos no Teatro Rival. O show tava vazio porque a mãe da maioria dos fãs dos marmanjos não os deixaram sair de casa, mas o show foi lindo como sempre, armadilha infalível. Saí de lá com uns amigos da E-Zine bem alegrinho e decidido que a festa não podia parar. E foda-se que aquele tinha sido um dia escroto, era noite e a noite é dos loucos, que pra esses caras são tipo uma clientela e pá! Fomos pro Ball Ruim onde rolaria um show do Arnaldo Antunes. Rolaria, chegamos lá e a muvuca na rua até nos fazia pensar que o show estava rolando e bombando, mas na real era um monte de gente indignada porque o Ball Ruim recebeu um telefonema dizendo que “se o show rolasse iam passar metralhando geral!!!”. Porra! Aí eu fiquei puto! Duvido que alguém do Dona Marta tenha ligado pro Ball Ruim pra dizer isso… Peraê… Será que eles leram a respeito do show no Rio Fanzine!? Sei lá…
O Quarteirão todo tava fechado, até o Teco Taco e Fornalha! Porra! O Fornalha é um dos poucos estabelecimentos 24hs da região de Botafogo Valley que nunca nos decepciona! Ninguém merece isso! Reunimos um grupo de pessoas bem-dispostas e fomos até Copacabana, na esperança de que a tenda da coca-cola light, montada em frente ao copacabana palace para oferecer rega-bofes aos convidados do Festival de cinema, estivesse rolando. Estava! Ahá! Nada pode parar o cinema nacional!!!

A festa estava um fracasso para os padrões do festival, mas logo foi reunindo malucos de toda parte da Zona Sul, cada um com sua história de programa frustrado. Todos lá bebendo as custas da coca-cola e da BR e discutindo política, corrupção e eleições… política, corrupção e eleições…

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