26.4.02

A.20


No dia 10 de Abril de 2001 numa reunião o compa Miguel exaltadíssimo explicavá-mos qual era a do CMI, e dos preparativos para o A20 em Quebec – É um dia de Ação Global dos Povos, vai rolar também na Paulista e tou indo lá fazer um vídeo.

Eu já havia participado, aos desseseis anos, dos quebra-quebra contra a privatização da Companhia do Vale do Rio Doce. Lembro que o meu colégio reacionário não liberou ninguém, não tinha feito isso nem na época do Impeachment do Collor, puta festa open-ar que eu perdi, o grêmio do colegío tinha tradição em ser oba-oba e reacionário, puta classe-mérdia do centro antigo, fudidos mas acomodados e inofensivos. Na ocasião, matei aula com um colega e encontrei a pelegada da AMES no Largo do Machado de onde partimos para o centro, pulando a roleta do metrô, lógico. No trem uma mina gatinha do Amaro Cavalcante se ofereceu pra pintar minha cara, aceitei, fazer o que!? Mas foi de preto lógico. Encarei a passeata da Candelária à Bolsa de Valores (parando a porra do trânsito, lógico!) com um colega de sala, o único que como eu tinha matado aula para ir no ato, era um pedetista fanático, que curtia alimentar os pombos da cantina, assistir pornografia e fotografar-se nu, cortar o rosto das cópias e deixá-las dentro dos fichários das minas mais gatas e frescas da sala. Figura, hoje em dia estuda no IFCS e lamenta não ter sido aceito no exército pela miopia excessiva. Meu plano, quando chegasse à bolsa era me dispersar dos secundaristas e encontrar meus companheiros anarquistas e punks, afinal eu sabia que eles sim tavam preparado pra ação, de qualquer maneira, por via das dúvidas fui reunindo, junto com o colega-loki, pedras portuguesas da calçada e amarzenando em minha mochila de lona verde com @ estampado. Mal chegamos, os pelegos do carro de som, ligado à CUT e a partidália começaram a saudar a “chegada dos estudantes”. As palmas foram abafadas pelas bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo do batalhão de choque, que avançou com cassetadas pra cima da galera que trancava a rua sentada no chão. Os estudantes que acabavam de chegar arremesavam suas pedras portuguêsas e sacos de merda (isso mesmo) na polícia. Foi quando vi os punks descendo da câmara legislativa (totalmente ocupada) e atacando a polícia pelas costas com pequenas bombas caseiras. Os policiais dispersaram, abrindo a brecha para aqueles coroas ligados ao movimento operário partirem pro front e rebocarem os desnorteados canas com os punhos até recuarem, e quando o faziam o povo avançava e reciclava as pedras. Nunca vou me esquecer da prespectiva bizarrabizarra quando o asflato tremeu pelo impacto das “bombas de efeito moral”, uma espécie de super-cabeção-de-nêgo aparentemente sem estilhaço, também nunca vou esquecer daquele meganha travestido de robocop tomando uma pedra portuguesa na fuça. Eles haviam subestimado a gente, mas tinham isolado toda a praça em frente à bolsa de valores. Foi quando o protesto prossegiu com palavras de ordem e trotes, tipo ficar pertubando as reporteres da Rede Globo que tentavam fazer uma cobertura ao vivo e vomitar palavras de ordem para jornalistas, usando pseudônimos, claro. Depois de outros dias de confrontos conseguimos atrasar as transações em alguns dias, mas o bagulho acabou indo parar nas mãos do Antônio Ermírio. Menos mal!?

Naquela terça-feira eu saí do IFCS bem empolgado com esse papo de A20. Desde aquele dia no centro eu nunca tinha me envolvido em nenhuma outra manifestação muito grande, apenas algumas pequenas ações diretas executadas solitáriamente. Era uma época em que eu trabalhava pra caralho e me encontrava bastante revoltado. Quando chegava em casa, tinha de driblar a legião de viciados para poder produzir meus outros trampos, naquela época eu fazia bastante coisa pra BiZZ e também era escravo de uma corporação dotcômica. Um projeto tava terminando e eu consegui uma semana de folga, e também um convite para conhecer Alagoas e depois descer para Pernambuco e descolar uns trocos cobrindo o Abril Pro Rock pra BiZZ. Já tava seduzido de tempo, portanto no dia 20 de Abril, enquanto o coro comia em Quebec, São Paulo e Tijuana eu gozava da atmosfera adociada no meio de 15mil cabeças pulando com os shows da Nação Zumbi, O Rappa e o Asian Dub Foundation. Yuka falou bem para caralho, pena que não tinha minha mini-DV na época…

O Miguel acabou indo no A20 com dois compas e lá produziram o vídeo “Não começou em Seatlle, não vai acabar no Quebec”, que acabou virando prova num processo aberto contra a polícia de são paulo quanto a ilegalidade da repressão brutal e covarde contra os manifestantes. Um ano depois, vários grupos libertários de são paulo decidiram através de várias assembléias repetir o ato na Paulista, para tentar concluir o que a polícia não deixou ano passado, entregar no Banco Central da Consolação uma carta gigante endereçada ao Armínio Fraga com nossa mensagem de repúdio à ALCA, e finalmente exibir o vídeo do ano passado na rua, para lembrar da brutalidade policial do ano passado. Como o dono da câmera está dando um rolé pelo mundo, sempre dando continuidade aos seus trabalhos junto ao Centro de Mídia Independente, então me animei para dar tocar essa bola junto de amigo do CMI-Rio (que tinha sobrevivido ao confronto do ano passado, apesar de ter sido preso) e então parti devolta para Sampa City na Sexta feira dia 19.

É claro que quando chegaos na rodóviária todos os ônibus estavam lotados de freaks rumo ao Skol Beats, e voltamos para Santa Tereza para matar tempo numa festa regadíssima de cerva, salgadinhos e aqueles papos que fluem do cabeça pro papo de dondoca num assovio. Voltamos bem tortos e com os bolsos cheios de latinhas e pegamos o ônibus das 6:15 que nos deixou em são paulo num tremendo atraso, mas o ato estava marcado para o final da tarde, para garantir a projeção no telão.

Depois de largar as mochilas em aparelhos seguros nos encontramos com companheiros do CMI-SP e rumamos para a paulista, carregando o mínimo possível. A concentração era numa praça que fica bem no início da Av. Paulista (ou no final!? Bah! Do lado oposto à consolação!), anarquistas, verdes, feministas, punks, gente com cara de estudante da USP, punk com pinta de ganguista do ABC e um sem-fim de meninas bonitas, de todas as idades e estilos. Um @ na barra da saia jeans desfiada, um botton do Sid&Nancy do lado do Patch contra a exploração animal, lanço preto no rosto, ou máscara de gás. Tinha sido decidido nas assembléias que a passeata teria caráter pacífico. A galera lá tá bem organizada, destribuiram pedacinhos de papel com o telefone da “comissão legal” impresso, o contato de um advogado que está na área, pronto para soltar a galera que eventualmente venha a ser presa no caso de um confronto. Tinham também três troskos carregando bandeiras do PSTU que foram logo advertidos pelos punks cascudos

- foi decidido em assembléia que a manifestação tem caráter apartidário ô caralho!!! Então pega essa bandeira e…

De fato os três vermelhos não se atreveram a empunhar as bandeiras, limitando-se a amarrar no pescoço como se fossem uma capa, só faltava o nariz de palhaço para completar o figurino. O batukAção, que é um bloco de percusionistas que usam latas de lixo e “uniforme” Black Block (o traje preto, a máscara de gás e o capacete de obra) apareceu na concentração, batucando algo que era entre uma marcha militar ou um batuque de escola de samba. Sei lá, paulista batucando é meio sinistro. Mas de qualquer maneira quando a passeata saiu pela paulista os caras foram acertando, chegando a entoar um puta Miami (o nosso Funk carioca) que tirava geral do sério, fazendo o povo pular cada vez mais alto, entoando coros como: “ALCARALHO COM O FMI!” ou o surreal “CHARUTO CUBANO! NO CÚ DO AMERICANO!”.

Em protesto a guerra no Afeganistão no ano passado anarquistas do rio cercaram o centro cultural banco do brasil (CCBB), que abrigava uma mostra internacional sobre surrealismo, e bradaram o coro: “SURREAL É A GUERRA! AHA! U-HU!”. Também distribuiam panfletos que pediam um minuto de silêncio pelas vítimas dos ataques do 11 de Setembro, e seguindo a razão alguns minutos para os civis mortos nos bombardeiros ao Iraque, Bósnia, Somália, Sudão… enfim, no final tu ficava uma hora de silêncio, sendo que só um minuto pelos norte-americanos…

Foi negociado que não barrariamos a paulista toda, deixando uma pista livre para os carros passarem. Uma galera ia jogando bola e fazendo embaixadinhas na frente, enquanto um cordão humano de verdes carregava uma faixa mandando ALCARALHO, atrás os demais manifestantes (cerca de 1500) vinham com suas faixas e bandeiras pretas, um cordão de políciais bem escasso assegurava que uma pista da paulista fiacasse livre.

Tinha muito poucos policiais, mas com aquela cara de putos da vida, alguns sem identificação e a maioria segurando as armas ou socando os cassetetes na palma da mão. Descobrimos que tinham poucos canas porque tava rolando uma final com o corinthians do outro lado da cidade, o que tinha mobilizado a policia e o departamento de trânsito. Enfim, pena que era sábado porque destruturamos a cidade toda e tudo foi muito bem, conseguimos passar a carta por debaixo da porta do Banco Central, era uma carta gigante com um recadinho pro Armínio Fraga, os seguranças do banco, assustadíssimos, tranacaram tudo a sete chaves e ficaram tremendo do lado de dentro sem entender nada. Tudo foi na moral, excento alguns pequenos incidentes.

Lá pelo meio, bem no início, quando ainda tava de dia e ainda tinha pouca polícia eu tava bem na frente fazendo umas fotos da faixa da frente, quando derepente notei que um cana partiu pra cima de um punk que “pogava” em frente à faixa. Foi tudo muito rápido, eu sei que o cana tava sozinho, a cana-mina que tava com ele tinha ficado para trás (a manifestação tava a passo rápido nesse momento, com o batuque espancando no Miami), ninguém sabe direito porque o cana agarrou o punk, o fato é que ele estav tentando arrastar o cara para for a da manifestação para prendê-lo. Eu tava perto demais para deixar isso acontecer, estávamos perto demais para deixar isso acontecer, ele estava sozinho afinal. A galera cercou o cana, agarrando-o e arrastando-o para o meio da manifestação, tinha gente demais emcima, não dava pra fazer a foto, eu tava no ponto cego do cana, acertar o estômago dele com o tênis vermelho foi mole, a galera automaticamente, me cercava e me tirava de cena levado-me para o meio da manifestação, onde todo mundo têm a mesma cara e ninguém lidera ninguém. Alguém levou o quepe rídiculo do cana, antes de devolvê-lo a pista livre…

Quando passamos em frente ao primeiro macdonald-s já era denoite e os verdes dispersaram e foram manifestar-se em frente a loja, ameação uma invasão. Alguns manifestantes subiram numa banca de jornal e os yuppies transnuentes se assuatarm pra caralho, ao mesmo tempo que os pivetes, meninos de rua, officeboys e lokis integravam os coros. A polícia ficou desajustada, sem o aparato para enfrentar tamanha baderna. Mas a maioria da passeata proseguiu, deixando os verdes sozinhos, que logo voltaram pra paulista, após aterrorizar os seguranças e consumidores da lanchonete. Açai demais dá nisso!

Na quadra do banco central, a manifestação fechou a rua, levando um animado carnaval de rua à Paulista. Dai pegamos o outro sentimos e rumamos pra entrada do Traianon, onde o CMI montou um telão e transmitiu o vídeo do Miguel pra galera. Foi um momento tenso porque nem todos os manifestantes, mesmo que sentados cabiam na calçada do Trianon, ocupando duas faixas da rua. Tinha rtamb´m a galera que não queria desocupar a avenida, a polícia irritou-se e ameaçou avançar, alegando que não era esse o “combinado”. Mas não tinha como eles serem violentos frente aquele vídeo que mostrava a covardia dos próprios. A essa altura o jogo já havia encerrado fazia tempo e o Hall do MASP (em frente ao Trianon) estava ocupado por mais de uma dúzia de D20, muitos, muitos canas e um pelotão da choque. A cada ato covarde dos canas na tela o sangue da platéia esquentava, a cada ato corajoso dos manifestantes na tela a platéia urrava e gozava. Mas o pessoal sabia que não dava pra conforntar aqueles filhas da puta que riam da nossa cara com mais do que palavras ou desobediência civil (aquele cheiro maravilhoso no ar), não, não nesse dia… Não era o caso… Tinhamos de lembrar a covardia e a violência policial, e não provocá-la, o que não significa de que não estávamos prontos para nos defender. Quando o video terminou, geral foi dispersando, e a choque tentou pressionar-nos emparelhando-se na calçada que separa os dois sentidos da avenida, eles no meio, nós no Trianon e a cavalaria no MASP.

Quando eu tinha uns cinco anos, meu pai tinha um negócio em frente ao Trianon e algum prefeito debil mental decidiu derrubar o parque para construir um estacionamento. Passamos o fim de semana todo num cordão humano em voltado parque. Mami disse que papai era Peronista, seja lá o que isso quer dizer…

Uns menores exaltados atiraram pedras portuguesas nos canas e acertaram um bem na cara, ferindo-o. Só que já fez sabe como é que é. O fato é que o comandante da operação irritou-se muito, mas como o pessoal estava dispersando e nós o abordávamos com câmeras, luzes, advogados e dedos na cara ele não fez nada… nada… recolheu-se na sua impotência contra a relidade daqui pra frente… Pena que ninguém levou uma daquelas tortas de marshmellow…

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