19.4.02

BALADAS
PERNADAS

Não eram nem dez horas e o playground estava cheio de mesas onde coroas se empapuçavam de cerveja e salgadinhos enquanto as crianças se acotovelavam sobre o videokê montado no salão de festas, ou corriam de um lado pra outro numa guerra secreta de bolas de papel higiënico molhado. Enquanto isso, não muito longe dali um Audi do ano prateado vinha desacelerando pela rua Barão de Lucena em direção ao sinal, quando foi fechado por um Monza preto. O sujeito do Audi tentou desviar pelo mesmo lado que o Monza veio, mas perdeu o controle do carro e espatifou-se num poste, sem perder tempo saiu do carro de pistola na mão e trocou tiros com os caras do monza, que responderam à altura, espatifando o vidro e o estofamento do audi com balas de grosso calibre, e fugiram pela São Clemente abençoada pelo Cristo Rendentor.

Mulheres de pijama debruçaram-se na varanda, enquanto as pessoas no boteco em frente ao ponto de ônibus há uns dez metros daquela esquina se jogavam no chão, e o segurança da rua, aquele tipinho marrento, mal-encarado e evocado, sempre disposto a fazer cara feia pros playoys bebâdos do bar, correu direto pro banheiro do bar, provavelmente para limpar as calças. A mensagem chegou via ceclular para a mesa do salão de festas – mataram alguém a sete tiros na Barão de Lucena. Assalto!? Tiro demais pra isso… Vingança? Guerra de tráfico!?

Nada disso, o dono do Audi tava vivo e longe dali, ninguém sabe se o cara foi atrás do Monza ou se escondeu. Amigos que bebiam no bar foram observar o carro batido depois do tiroteio e ao invés de presunto encontraram apenas uma pistola de cano longo e um bastão de choque. Quando a polícia chegou, o dono do carro reapareceu, tratava-se de um PF. Ha! Provavelmente usava o bastão de choque para afugentar pedintes no sinal.

Essas foram minhas primeiras horas de volta ao Rio de Janeiro, após um retiro de dez dias para São Paulo, aquela cidade grande e feia, cheia de oportunidades e baladas que alguns tem a coragem de tachar como “capital da América Latina”. Uma metrópole bacana, que perde todo o sentido depois que você conhece Nova Iorque. Acontece que a cidade é mal planejada demais, aliás, não é planejada para nada. Mas com os telefonemas certos e alguma disposição dá pra se divertir bastante. Você pode encontrar a felicidade numa galeria suja da 24 de Maio, nos puffs de um apê aconchegante e colorido na Bela Cintra, engarrafada num recipiente de plástico com um cocar numa geladeira em pinheiros, num banco de cimento num centro cultural da Barra Funda ou num palco num pico de boy perto do cemitério.

Em são paulo, as três baldeações de metrô e um rolé num ônibus não é suficiente, para chegar aonde vocie quer você ainda vai ter que andar alguns quilômetros por um sem-fim de sobe e desces de ladeiras. Mas têm algo mais bonito do que mulher subindo a ladeira? Aquela linha marcando a calça onde começam as coxas. Esquerda, direita, esquerda, direita, parece que está falando contigo:

MA – TIAS
MA – TIAS
MA – TIAS


Aproveitei, num dias desses para dessenferrujar meus skills HTMLescos colocando no ar o site da REVISTA FRENTE. Fizemos um negócio bem simples, mostrando a capa da revista, o editorial e as músicas que integram o CD que acompanha a edição. Algo para ficar no ar satisfazendo os fãs. HTML é mágico, uma linguagem simples que qualquer idiota pode entender e manipular mas só um freakyfreaky neurótico que trata o micro como cão pode dominar. Bradley diz que “staying with Loui Dog is the only way to stay sane”… Ficar com o micro e meu universo conspiratório de e-mails, mp3s e agências de notícia é a única maneira de ficar com a razão!

Se você têm um site em mente, passar pra tela do micro é moleza. Você pode apelar prum daqueles programas WYSIWYG (what you see is what you get), que vai transformar o bagulho que tu fez no photoshop num site pomposo, bugento e pesado para caralho. Você também pode escrever o código na unha, desafiando a cuca para fazer o lance mais simples, leve e econômico possivel. Você terá todo o controle do site em suas mãos, sem nenhum software senão o browser pra atrapalhar, mas daí quando tu entrega o site pro servidor são outros quintentos.

Vi os olhos do Gasperin brilharem ao perceber a simplicidade com que são feitos os sites. Eu mesmo já enchi os olhos assim há uns sete anos (dío mío o tempo passa) quando vi, através de vários sites toscos, que a Internet não era tão poderosa assim, e que seu sentido vinha simplesmente de fazer parte dela. O querido editor já tava falando que ele mesmo ia atualizar o site, que ia aprender a fazer essa linguagem, que isso e aquilo, super animado como quem pisa num planeta totalmente novo. É claro que essa alegria durou pouco, quando terminei o site e tentamos subir-lo para o servidor.

Senhas da Fapesp, puta que pariu, porque os filhos da puta te obrigam a fazer o cadastro por um servidor que evntualmente vai cadastrar um e-mail de contatos DELES, complicando a tua vida quando tu quer alterar o site por si mesmo. Puta que pariu! Atualização de DNS e Japoneses fazendo plantão de suporte num sábado a noite! Caralho! Que papo chato!

Terça feira fui para um Cabaré perto da crackolândia chamado Uranus. Nos fins de semana rola clube das mulheres, esses eventos onde homens de tanguinha vermelha bezuntados em oléo dançam e exibem os musculos no palco, eventualmente sendo agarrados e patolados por uma multidão de mulheres histéricas. Nesta terça feira estava rolando um evento de lançamento do Livro ABUTRE, originalmente publicado em 1970 por Gil Scott-Heron com o título The Vulture. Pioneiro da Blackspotation trata-se do cara que disse que “a revolução não será televisionada”. O livro, que antecede sua caerreira de cantor usa quatro personagens para descrever o ambiente no Gueto de Chelsea, na parte baixa leste de Manhatan, entre os verões de 68 e 69. Viagens de ácido com hippies que gabam-se de ter assutado um reporter da Time, ganguistas menores de idade apunhalando-se até a morte nas docas, frígido sexo interracial e fiestas calientes onde se a garota que está com você estiver bêbada você deve tentar chegar entre as pernas dela, se não estiver, deve tentar convencê-la a chegar entre as pernas dela.

Uma banda Groovy e Cool levava uma base soul enquanto o Carneiro, um black lá de sampa, recitava os poemas e canções traduzidas de Gil Scot-Heron, que encontra-se encarceirado por ter rodado com 1.2 gramas de brizola para uns tiras do Giulliani.

Dois dias depois a festa séria viria com o lançamento da revista Frente, no Urbano, confraternizei-me com os compas de maceió city, cultuando shows excelentes do Sonic Júnior e Wado Jones. O Sonic veio cheio de música nova, e aquele estilo de HC-batuque-eletronico que já assutou bastante Europeu. E o Wado finalmente podendo mostrar as caras em sampa pra uma platéia decente, a outra evz ele tinha se apresentado num sábado do Orbital, reduto indie cagagoma de sampacity. Desta vez era um “puta pico de play mano” mas dominado pelos quinhentos convidados da revistas. Jornalistas, produtores, freals, gaúchos, bichas, potheads e muchachas pra todos os gostos. O cara fez um som plugado no primeiro disco, só com um par de músicas do trabalho novo, ainda muito experimental. Uma delas a “tarja preta”, fruto de uma gastação de onda do loki com um tal de maxx matias, em algum pico barato de maceió city no ano passado. Rolava um mezanino coms area vip onde distribuiam um tal de MAX ICE, uma dessas bebidas ICE feitas pra mulherzinha ficar doidona suavemente a altos custos. Uma espécie de keepcooler do ano dois mil mas com embalagem verde.

Você tinha começado a noite de tarde, de papo furado com teu editor. O choque de não ter confirmado sua presença no Abril Pro Rock deste ano, que nem tinha tantas atrações legais, mas comemoraria dez anos. Porra, a raiva só aumenta mais quando na vespera do festival, quando você abandona toda a vontade e desencana de vez, uns gringos finalmente rspondeu teu e-mail de semanas atras mostrando-se talvez interessados em publicar algo. Ah! Eles vão demorar demais pra publicar e me pagar, não vale o esforço, não vale a pena. SACA!? Bah! Já engoli sapo pracaralho! E sobrevivi e voltei vitorioso esfregando o trabalho publicado na cara dos filhos da puta todos. Mas as vezes tu não tem saco pra isso. Oportunidades mais bacanas certamente virão, quem sabe mês que vêm…

O verão minguou do calendário mas ainda torra a cidade maravilhosa, apesar de não realizar aquele efeito bacana sobre a cena. É hora de mudar de cena!? Um monte de coisa me atrae pro verão do hemisfério norte. Mas vale a pena!? Tenho que me mover pra caralho hermano… Acho que tudo vale a pena… Essa vida vale a pena!

Voltei pro rio. Abracei meus conterrâneos numa maldita e fui empurrando a semana com a barriga. Todas as manhãs um compa do CMI visitava o aparato da Tarja Preta pra legendar um vídeo massa do CMI-NY sobre o 911. Amostra de que ainda têm gente inteligente naqueles picos e que se opõe totalmente à guerra – “se o que aconteceu aqui foi pior que Pearl Harbour será que teremos de ser piores que Hiroshima?” – Questiona um dos muitos novaiorquinos entrevistados.

Há algumas semanas uma mina da produção do Jô enviou um e-mail querendo contactar o Pedro Ivo pra uma entrevista. Lembrei do dia em que ingressei na 2pG, há mais de dois anos e conheci aquele baixinho loiro e arrumadinho que não fui com a cara de cara. Até que falamos de fanzine e “coisas que escrevemos”, dai a identificação foi total e comecei a publicar o LOSER por aqui. É claro que eu sabia que mesmo dando todos os telefones, contactos e recomendações pra mina do Jô o Loser seria contactado e recusaria o pedido por pura timidez… Vai entender… Agora pouco o programa do Jô tava entrevistando uma hippie baiana que faz essas pinturas com Aerosol e espatúlas – “Uma técnica Mexicana” – dizia a gatinha arrumadinha entre uma história de biritagens com camionheiros ou rolés pela América do Sul com amigos chilenos. Gatinhas que não necessariamente precisam ser sujas ou se vestir mal para serem Hippies, o que as faz assim é a maneira que aprenderam a se virar e se sobreviver e fazer arte da vida, mais do que vida da arte. Não estou falando de artesão de durepox faminto e viciado, estou falando dessas mulheres maravilhosas com muita história e vivência.

Gente com ganas de cruzar qualquer limite ou fronteira, transcender qualquer bandeira na mais clara noção de que o inimigo te odeia.

Uma leitora argentina diz que se largou de mochilão no mundo aos 16 anos, em Rosário conheci uma mina nova também que para ver o Manu tinha pego um trem desde Buenos Aires e feito Malabares a tarde toda pra conseguir a passagem de volta. Lucrou com os vastos engarrafamentos entre as duas cidades, visto que Rosário abrigava naquela noite o esperadiíssimo show de Manu e também o Maná. Em NY uma universitária tinha descido desde Toronto ilegalmente no busão da Radio Bemba (quem ia suspeitar que o autor de Clandestino ia ser tão caradepau assim?), ela me ensinou um monte de coisa sobre cogumelos, peiote e a região do deserto mexicano onde o “magnetismo é único”. Ela tinha o mesmo quadril largo do que um dos meus casinhos de segundo grau e fizemos altos planos para quando ela viesse ao Brasil estudar o Pantanal. As vezes eu me admiro com a capacidade com que consigo ser tão amável e romantico com essas muchachas e tão escroto com outras, como quando falava “ahans” e “simsims” para uma louca obsessiva no telefone, com nóia de desprezo e ciumes de uma amigo, ao mesmo tempo em que jogava Playstation com os dedões do pé e mesmo assim conseguia roubar várias pistas do mamata no Tony Hawk (jogando com os dedos da mão o mamata não é um adversário a altura)… Em montevideo uma bela voz num rosto bonito descola muita grana nos ônibus. Lá é clássico, além das pessoas todas (inclusive os canas) te comprimentarem quando você tá estendido na rua coberto por uma marola, duplas de violão e voz entram nos onibus levam um som e descolam trocados de geral. Aqui os caras têm de mandar muito pagodes até que um cara irritado como o Mosca chame um deles no canto e mande um – “Toma! Eu te dou cinco reais pra tu mandar um do Bezerra e dar o fora daqui porque eu não aguentou mais esse chacundum”. É claro que ela falou isso com muito mais manha, manha demais, fazendo eu e o Pedro Ivo se cagar de rir

Teve hip hop rio no teatro da lagoa. Que tá pra acabar. Foi legal, o D2 de boina apresentou as Negaativa e o B.Negão. O Negaativa evoluiu bastante desde que as conheci por sinal na Casa do Caralho. Os vocais tão bem amarrados nas três MCs, que se apresentaram com uma percussinista mais o Bira Show da Mangueira e o Bidu do paralamas além de três B.Girls. Tomara que bombe! O B.Negão é aquela quimica maravilhosa que a gente já conhece, uma banda fodona, só com estrela da cena carioca e um repertório muito bom. Naquele vibe suingado, reggaemanico, com um pouco de samba, cultura pop e geek, coisa que só se ouve no rio de janeiro. O Jodele Larceher gravou um especial nessa ocasião e me contratou pra fazer uma camera descaralhada…

Bem mais tarde, no camarim, quando todo mundo já tava indo embora e eu tava guardando o equipamento na mochila, um pitboy com cordão de ouro entrou acompanhado de um MC de uma banda comédia. O Cara apresentou um fino que cheirava bem para caralho e tinha um gosto delicioso. O cara cagou goma de que era um homegrown do Chronic que tava rolando na cidade. Não fez tnto a cabeça assim, a viagem não supriu as espectativas. Seria alguma dessas sementes de canhamo que vendem legalmente pela high times pra enganar trouxas? Eu tinha que descolar o livro de viagens do Chris Smulleck. Um dia quem sabe, quando já tiver me atirado bastante e tiver muita roubada e boa pra enumerar talvez reuna tudo e faça um livreto de viagens.

Amo viajar. Eu já viajei por vários cantos do mundo, e vou viajar sempre. Filha da puta nenhum vai me impedir, de jeito nenhum, filho da puta nenhum vai me impedir, não sei o quão custoso vai ser. Mas filho da puta nenhum vai me impedir de me deslocar guiado pelo coração. Por isso afirmo uma vez mais que amo o lugar de onde vim e o que sou. E cada mais feliz por estar ada vez mais próximo do que sempre quizer ser.

Anos atrás você afirmou seus ideias e plantou uma bomba que sabia que tinha data pra detonar. 2002. Você lista as suas conquistas e os passos que precisa dar, e não se desespera, mas fica certo de que vai ter de se mover bastante, e para isso, combater um monte de coisa e gente. Você vai em frente cara!

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