29.11.02

BICHO SOLTO


Outubro, num boca livre no centro da cidade:

- Porra!!! O Filme tá bombando né!? Lá for a e o caralho…
- É mas aê é só Meirelles… Meirelles…
(…)
- Nesse bonde do cinema tem muito filho da puta! Cê já assistiu “Pixote”? Tem que se ligar hein!?
- Deus me livre bicho…

Dai uma das cabeças do evento chega pra mim (e só pra mim) e diz:

- Você não pode fazer isso!!! A direção toda da BR tá aqui!!!
- Bah! Se eles queimam petróleo porque eu não posso queimar maconha!?



Intervenções urbanas, instalações e galerias… A vida dá muitas voltas, ninguém me avisou que aquele cara que tava clicando o Seu Jorge (com a camiseta do greenpeace) era o Vik Muniz, aquele fotógrafo que faz retratos de açucar, macarrão e afins e teve presente na maioria das conversas sobre arte contemporânea que tive recentemente com amigas universitárias e artistas plásticas. Sempre tem o suficiente por perto pra encher uma sala de aula. Bem, ao que parece o Vik cruzou com o Seu Jorge no Baixo Gávea e convidou-o para fazer uma sessão de fotos, vai ver ele o achou parecido com o cara que faz o “bandido do bem” em CDD. Ninguém me avisou que era o cara, portanto a única comunicação que rolou foi mais ou menos assim.

- Maneiro!!! Você também usa Nikon!!!

Papo de três semanas atrás depois de fazer umas filmagens pro documentário da Toscographics “Quebrando tudo” sobre o Hermeto Paschoal eu e o Aori acabamos num desses happy hours do centro conhecendo a Angel, gatinha e fã do Planet Hemp. Como o Planet ia se apresentar na barra naqueles dias decidimos armar com a mina um “dia de princesa”, no esquema daqueles quadros bregas que passam na TV aos Domingos. Iamos pegar uma van no Brooklyn, digo, no Catete com o pessoal da banda e ir direto pro camarim, encher a cara e cabeça e assistir tudo do palco. Pimpin’n’Playin’. Acontece que por problemas de comunicação e sequelas não consegui achar a mina, nos atrasamos e acabamos perdendo a van. Como não estávamos afim de encarar uma viagem de ônibus sentido Zona Oeste pra nos acovelarmos com milhares de pitboys emaconhados decidimos ficar pela Lapa. Foi quando cruzamos com essas duas gatinhas:

- Tamos indo ver a Tati Quebra Barraco lá na Mineira!!!

Eu já tinha visto um show da Tati quando trabalhei nas filmagens do “Febre de Funk”, mas era matinê e num clube do asfalto, longe de qualquer baile funk de comunidade. O morro da mineira fica lá pelos lados do Catumbi e fez notícia ano passado, quando declarou guerra contra o morro da Coroa e transformou a tijuca numa praça de guerra com toque de recolher e o caralho. Já tinha ouvido várias histórias de perrengues nas idas ou voltas desse baile, mas quem as contávam eram um ou outro idiota do meu prédio metido a bandido. E se tem uma coisa que neguinho não respeita é playboy metido a bandido. Com viciado é diferente, viciado banca o babado né!? Então topei na hora invadir o baile.

Chegando lá, dava pra entender porque esse morro tinha causado tanto problema, só rola uma entrada ou saída que te leva até uma espécie de vale, rodeado pela favela. Nos primeiros metros de subida já dava pra avistar alguns soldados de touca ninja e pistolas cromadas bradando “bota a cara Mister M!!!” pra massa de pessoas e motocicletas que subia o morro. No tal do vale, uma quadra ocupada por um Sound System maravilhoso. Um paredão da Equipe Big Mix, disparadamente melhor do que o som de qualquer boate ou casa de show que eu já visitei no rio ou em são paulo! Volume, equalização e graves perfeitos. E que grave… todas as nossas cartilagens e músculos tremiam junto com a batida do baixo. Gratis e open-air, rodeado por pessoas dançando frenéticamente ou circulando em “bondes”, cada um com sua coreografia bizarra. Do caralho, a certeza de que a Jamaica fica por aqui mesmo só que sem Reggae ou Dub, só Gun Talk.

No rio de Janeiro, o funk é o som das ruas, existem algumas rádios especializadas, coletâneas picaretas em lojas de discos ou camelôs e até um programa de televisão. Mas você não precisa tar sintonizado em nada disso pra conhecer o funk, você não pode fugir dele, o funk invade seu território de qualquer maneira, seja no último volume do som de um carro fudido circulando pelas ruas, nos gritos das torcidas organizadas, ou no assovio de um officeboy na fila do banco. É na comunidade, em frente ao paredão que tu vê que o bagulho é muito mais sério do que os modismos que pintam por aí. MCs chegam a fazer quatro apresentações por noite, o som é fenomenal, e a todo momento você acha que com uma câmera conseguiria o prêmio Esso de jornalismo, ou uma roupa de fita crepe. Porque será que os porcos são tão gordos por aqui!?

A Tati tava numa dessas neuroses de vários shows numa noite e tava atrasada, um MC subiu ao palco, disse que tinha acabado de falar com ela pelo celular. Ela tava na Baixada mas prometeu aparecer pra dar o show, até lá quem animaria o baile seria o MC G3 estilo proibidão. O Mosca tinha me arrumado um CD com os “28 melhores do proibidão” que ele tinha descolado na area dele, não dá pra arrumar esses nos camelôs porque a polícia encrenca, mas a internet tá cheio deles. Eu me lembro que a gente ficou viciado no gênero, a medida em que o Mosca trzduzia as girías e eu ria pra caralho. Quando a gente foi lá pra Bahia juntos toda vez que algum trafica ou malandro tentava acharcar avisávamos – Se liga! A gente é do rio! Lá o comando tem até trilha sonora!!!

Os sons que o MC G3 eram versões atualizadas dos clássicos do proibidão, as mesmas bases com atabaques de sempre, os samplers de rajadas e as mesmas melodias copiadas de músiquinhas pop, mas com letras atualizadas e novas intervenções. Antes de cada música, rolava um sampler de locução de rádio ou televisão, contando algum episódio recente da guerra de fações do tráfico, ficava mais ou menos assim.

William Booner: Comerciantes de todo o Rio de Janeiro fecharam as portas por imposição de traficantes do comando vermelho.

[samplers de rajadas, começa a batida]

MC G3: Quem mandou fechar!!! FOI O PODER PARALELO!!!!

Os sons ficavam cada vez melhores.

“Beira Mar Falou
Osama Sou eu!
O Celsinho morreu!
E o Uê se fudeu!!!”

“26 de Outubro! Eu fui votar! Pra governador! Fernandinho Beira-Mar!”

Baile Funk é o mó respeito, não tem essas coisas de boate de playboy onde um bêbado fortão empurra alguém ou tenta agarrar uma mina a força e abre precedentes pra uma porradaria. É super tranquilo. Essas merdas de Lado B e Lado A que você vê na televisão é só em alguns bailes onde a galera só vai pra isso. Quando rola alguma merda, é porque alguém tava envolvido em alguma merda… Ou bala perdida né? Portanto a gente tava lá seguros e animadões, secando as popozudas e nos divertindo quando vimos aquele bonde de vários “menores de 1,20m” abrirem caminho empurrando todo mundo. Quando um deles passou perto é que eu percebi o AK-47 com labaredas de fogo grafitadas na lateral, tratava-se de uma AK Hot-Rod!!!

No decorrer da noite, vimos Aks camufladas, vários outros fuzis e várias pistolas, todas empunhadas por menores neuróticos. Não que eles sejam os únicos bandidos da favela, acontece que são os únicos kamikaze o suficiente para ficar mostrando a cara pra qualquer idiota que quizer ver. Num determinado momento um menorzinho de uns dez anos com um AK maior que ele, todo remendado com Silver Tape subiu no palco e ficou dançando. Logo mais ele pegou o microfone e ficou mandando mensagens que iam desde saudações pra “galera da escola e da creche!” até ameaças pros canas que moram na favela. É nesses momentos que a gente olhava um pro outro e lembrava de todos os clipes e filmes que viu com o Snoop Doggy Dog e o Dr. DRE e começava a rir. Caralho! Quantos minutos cada um daqueles negões cheio de ouro e marra iam durar por aqui!?

- Na escolinha já tá todo mundo formando!

Dai o Racionais dá uma entrevista exclusica do YO! Cês lembram daquele quadro da MAD? Respostas cretinas para perguntas imbecis. Pois é, o Rapping Hood pergunta pro Racionais.

- Diz aê truta! Qual o conselho ’docês pra quem tá começando?

E o Mano Brown:

- Não tem essa de conselho não!!! Se ficá de pioiágem e dé milho! É PAU NO GATO!

Essas palavras de sabedoria ilustraram a viagem relâmpago que faríamos semanas mais tarde a SampaCity, mas antes de volta à mineira. Na favela o que mais têm é boteco e sinuca, um atrás do outro. ONG e rádio comunitária também sempre tem, mas só presta quando não tá na mão dos crentes. Os crentes são sinistros, construiram uma porra duma igreja dessas debaixo do meu prédio. Outro dia eu tava parado na rua esperando uma carona pra um trampo da toscographics quando percebi aquele mulão de gente rezando levantando envelopinhos brancos. Fiquei pensando se tratava-se de dinheiro, e não deu outra, o comédia que trabalha na barraquinha de cachorro quente me mostrou um desses envelopes onde lê-se mais ou menos o seguinte:

COTA DE MANÁ – “A caminho da terra prometida”
Obs.: Em caso de cheque cruzar e colocar nominal a igreja.

Depois disso fiquei sabendo que outras igrejas mais profissionais têm envelopes de cores diferente dependendo do valor do salário correspondente ao dízimo e que isso (e questões como errr… indadimplência com o senhor) o lugar onde as pessoas se sentam é diferenciado. Puta que pariu, e tem neguinho que perde tempo dizendo que maconha faz mal. Que eu é que tou errado! Este mundo tá perdido mermo…

Voltamos pra casa de manhã, o 410 parou no ponto e abriu a porta da frente direto, ninguém pagou. O chapa é o Chapa!
***

Finalmente lançamos o clipe de “MONSTROS L.A.P.A.”, mega-produção onde levei ao limite minha escola Gonzo-Dogma 1,99. A festa e primeira exibição pública rolou dia 24 na festa Miami-Rio no Ball Ruim, o público lotou a casa e se acotovelou pra ver o clipe rolando no telão. Foi bem maneiro ver reações e ouvir comentários.

- Caralho! Que tosco!
- Caralho! Parece filme do Zé do Caixão!
- Caralho! Quanta gostosa!!!

Empolgados pelo desempenho do vídeo de “Ontem eu Sambei” do Wado, resolvemos fazer um clipe que não seguisse exatamente a estética corrente dos clipes de hip-hop, sobretudo nacionais, aquelas coisas de neguinho falando com a mão, favelas, câmeras em 30 graus, armas, mãos, mãos, mãos…. Até porque o Inumanos é um grupo de rap que têm uma temática bem mais abrangente que essa. No final das contas não teve saída pra filmar onde não tenha rolado algum problema, por sequela da produção ou subversão.

Qual foi a felicidade quando filnalmente levamos o clipe pra MTV no dia 26 e em 10 segundos de clipe o Caio, o responsável por receber os clipes diz:

- Porra! Maneiro que não parece esses clipe de hip hop!!!

O cara ficou animadissímo e disse que o clipe vai estréiar no YO! mas que vai colocá-lo em outros lugares da programação. Ele passou o clipe várias vezes na apertada sala cheia e gente entrando, saído e dando seus comentários. O Chorão (esse mesmo que você tá pensando) ficou amarradão e perguntou da onde a gente era

- Lapa!
- Hehehehehe… Lá só tem cachaceiro!!!

O João Gordo também tava na sala, só que de costas, uma pena, senão ele teria reconhecido o Heron, que no último show que o Uzômi abriu pro RDP surrupiou o fudêncio, que por sinal aparece no video clipe. O Heron já trabalhou na banca de jornal a mãe do Aori, eles se conhecem desde moleques, já estudaram na mesma sala e fizeram milhares de filmes trash dirigidos pelo Heron com muita groselha e ossadas de boi descoladas no açougue. Os inimigos eram sempre invisíveis, espíritos ou vírus devoradores de carne, uma beleza. Pro clipe resolvemos fazer um filme de terror e chaamos o Heron pra ser o monstro e diretor de efeitos especiais. Inventamos dezenas de mortes e recrutamos um monte de amigo, no final não filmamos nem a metade do que planejamos mas tinhamos material pra fazer uns quatro clipes. A intenção inicial era colocar o mínimo possivel de Babão e Aori no clipe, mas mesmo assim resolvemos começar as filmagens gravando os caras rimando nas ruas usando umas túnicas, mó micão!

Os Inumanos mais o Ênio, que faz o papel do detetive e é o assistente de produção (e cara que tenta agendar as paradas e arrumar os lances pras filmagens) do babado desfilaram com as túnicas pelas ruas da lapa e o centro da cidade, em pleno meio-dia claro. Carregavam meu toca-fitas guerreiro, uma lança zulu de dois metros (“lembrancinha da Africa” que meu avô me descolou!) e uma placa escrito INUMANOS. Os comentários dos transnuentes eram peculiares:

- PU-TA QUE PA-RIU!
- Mas que palhaçada…
- Meu Deus! Onde este mundo vai parar???

Estávamos pagando mico perto de um ponto de ônibus lá na Avenida Chile quando um crew de B-Boys nos avistou, dissemos que estávamos gravando o clipe dos Inumanos e eles nem hesitaram em começar a mandar moinhos de vento lá mesmo, na calçada, em pleno centro da cidade. Eu me pergunto se essas coisas acontecem em Sampa ou NY… Valeu É NÓIS CREW de Santa Cruz – ZO pela participação no video… Em seguida ficamos sabendo que tava rolando um evento de Rap na estação de metrô da carioca, invadimos a situação e gravei um frestyle do Aori naquele palco, e o Babão tocando junto do DJ que tava lá (não lembro o nome mas o cara era bem bom!). Também filamos umas quentinhas no camarim improvisado e ralamos o peito quando ficamos informado que logo mais um pessoal de uma ONG com mó papo de evangélico ia assumir o evento. Pagamos nosso mico final na Uruguaiana e no Largo da Carioca e suspendemos as filmagens do dia, já era tarde, o Aori tinha que buscar a irmãzinha no colégio e eu tava afim de ir ver uma cabine no Odeon.

***
Ah sim! Para compreender melhor as filmagens de “Monstros L.A.P.A.” é preciso compreender a época em que ela rolou, nos meses se setembro e outubro de 2002. Setembro sempre é um mês clássico, e mês de festival de cinema, é quando a cidade começa a ficar quente, o ano tá acabando e o que o povo quer é trepar e se acabar. É a época em que ninguém mais aguenta ficar em casa e vai pra rua interagir, conspirar e fazer dinheiro. Neste ano foi uma época especialmente conturbada por conta de uma das eleições mais disputadas de nossa história e uma série de eventos tão surpreendentes quanto lastimáveis no rio de janeiro. Uma época onde sobre tudo “elas estão descontroladas”.

Numa grande metrópole tem de tudo, até barão do petróleo. Transborda investimento, bocada e desigualdade, mas se tu é malandro come pelas beiradas legal. Setembro sempre é o mês das bocadas, com o Festival do Rio por aí, começam a rolar as premieres e festinhas, daí vem o festival com aquele bafafá todo que sempre culmina numa festa de encerramento no Odeon sempre muito divertida graças ao alto insumo de destilados, fermentados e baforados.

No CMI de Nova Iorque eles tem um cartaz que diz assim – O que você quer comer hoje!? Sushi!? Pizza? Massa? Carne… Do lado da opção desejada tem o endereço dos restaurantes e o horário que eles jogam fora o desperdício devidamente empacotado em quentinhas à disposição da galera. Sempre dá pra comer pelas beiradas se você tem o contato certo. Quem tá devagar sempre pode ir pro nove, onde sempre dá pra se divertir apesar daqueles tranceiros idiotas que pousam de neo-hippies e sujam a porra da praia com suas embalagens de GuaraPlus e afins. Eu pelo menos cago pra essa porra de saúde e bebo cerveja, e a cada dez minutos tem alguém perguntando se eu já acabei pra levar minha lata pra reciclar. Outro dia fui encontrar com minhas amigas modelos na praia levando o meu fiel radinho toca-fitas mono dos anos oitenta. Cheguei ouvindo Sabotage com o Aori e até o fim do dia reunimos inúmeros DJs, MCs e afins de todo o rio por ali, os pit-boys e aquelas meninas de família que têm até endereço fixo só não nos olhavam como um bando de “paraíba favelado” porque a Diana Bouth tava com a gente amarradona. As vezes eu acho que não são eles, mas eu que moro no planeta errado. Mas que nada… Nada disso…

O Festival de Cinema é engraçado, todo ano rolam cerca de quatrocentos filmes e tu vê gente pra caralho, gente que tu só vê nessa época do ano, se esbofeteando pra esgotar as salas de meia dúzia de filmes. Dependendo do filme que tu vai ver é mó pala de desfile ou confraternização de amigos (se tu tá indo num daqueles midnight movies). Legal mesmo são as cabines de imprensa, que começam umas semanas antes do festival e prosseguem durante este pelas manhãs. É divertido, tu vê uns quatro filmes seguidos de graça e fica comentando com os amigos nos intervalos e bolinando as amigas nas projeções. Nesta época do ano o clima começa a ficar inspuortávelmente quente, as teclas do meu mac ficam todas meladas e ninguém aguenta ficar sóbrio ou dentro de casa. As pessoas ficam malucas e as coisas acontecem, grandes negócios e grandes putarias floreiam o verão. Ah! Que bom que aquele frio filho da puta acabou!

As cabines abriram com “Spider” do Cronenberg, geral babou ovo mas eu e o Remier que estávamos esperando aquelas paradas Gore de antigamente ficamos meio decepcionados. Tudo bem que o ator manda muito bem e a direção é asfixiante… Taí… acho que foi isso… o filme sufoca legal, é pesadão, chato… Nos dias seguintes vimos uma série de filmes Latinos, a maioria do Chile e da Argentina, onde predomina o cinema-pilantragem. É impressionante, mas o anti-herói é o herói deste hemisfério mesmo. A descrença nos sistemas vigentes é unanimidade no continente de maneira que a transgressão e subversão são cada vez mais sedutores.

O meu Rio querido já não tem nem mais heróis ou anti-heróis. Nesta época do ano a chapa começa a esquentar legal, o cinema invade a cidade e deixa todo mundo com mil idéias na cabeça, o calor empurra todo mundo pra praia, e quem não pode tar lá fica ainda mais puto. A chapa esquenta e as eleições ajudam. Pela primeira vez desde que nasci um filho da puta diferente vai ser presidente, a direita enfraquecida toca seus golpes sujos a torto e a direito. Comemorando o primeiro ano de uma nova era o 11 de Setembro no mundo todo teve crianças bravejando as estrelas e faixas azul-vermelhas e um clima de paranóia geral. Enquanto isso o Rio de Janeiro segue cada vez mais neurótico desde que sairam prendendo todas as lideranças do tráfico que apesar de continuarem comandando tudo desde os presídios (via celular ou advogado, foda-se) não conseguem controlar o ânimo dos mais exaltados do bonde, aqueles malucos que tão cagando se vão levar a bala hoje ou amanhã. O terror comia adoidado pela cidade, principalmente na area dos terceiros, mais desorganizados e exaltados, dai o Beira-Mar, grande responsável por esse bagulho paraguaio prensado e fedorento que a gente chama de maconha, resolve dar um jeito, escolhendo o 11 de Setembro para tal. As cabeças de quatro terceiros que viraram mun-há foram empilhadas no pátio de Bangu, enqaunto um dos líderes dessa facção era torturado e obrigado a ligar pra todas as suas bocas falando que tinha migrado pra facção do Beira-Mar… A governadora Benedita intervém, tranca os chefões a sete chaves no QG da PM e é bombardeada de todos os lados. Nenhuma dessas pesquisas eleitorais sem vergonha disse que ela ficaria em segundo lugar, de maneira que muita gente anti-Garotinho deixaram de votar nela pra votar nos candidatos que eles diziam estar em segundo lugar. No final das contas a Benedita ficou em segundo, mas com insuficiente votos pra levar a disputa pro segundo turno. A Rosinha Garotinho, eleita pela massa de evangélicos ignorantes que povoam o estado (porque NINGUÉM é tão idiota pra votar nessa puta) já avisou, vai tirar os bloqueadores de celular dos presídios e a Benedita, tá jurada de morte pelo CV. Agora me diz… quem tá de que lado mermo!?

No 11 de Setembro tava tendo uma festa no Odeon (sempre lá), enquanto a Zona Norte toda estava no maior caos com as favelas do TC fechando escolas e comércio desde de manhã e o pessoal que trabalhava no centro impedido de voltar pra casa. Como a Zona Sul é toda do CV eu nunca tive esses problemas, e na data essa era até uma desculpa pra levar alguém pra dormir em casa. Dias depois, exatamente seis dias antes da eleição as escolas municipais de toda cidade amanheceram fechadas, e logo comerciantes por toda cidade foram pressionados por telefone ou visitas a seus estabelecimentos a “fecharem a loja”. Era uma segunda feira ensolarada, e logo todo o comércio da cidade estava fechado, a maioria dos transportes públicos deficientes (as barcas rio-niterói nem sairam da estação) e a praia lotada. Amigos que foram a praia diziam que a maioria das pessoas ficou sabendo das ameaças via boato, mas mesmo assim fecharam a loja e foram pra praia, óbvio! O carioca sabe tirar proveito de tudo.

Visto assim parece até malandragem mas a real é que foi o maior micão. A justificativa desse “luto” forçado era que a prisão do Beira-Mar violava os direitos humanos, visto que estavam lhe negando visitas. Aliás todas as ações do CV desde então começaram a serem identificadas pela mídia como “atentados”, cada vez mais se esforçam para tornar os criminosos que a gente conhece em terroristas. Aqueles que o W.Bush jurou erradicar de todo o planeta. Mas a gente que é inteligente vê que não é bem assim, com o poderio bélico desses grupos, sua lógistica, populariedade e grana eles poderiam muito bem sacudir o país numa guerrilha revolucionária em algum ponto de vista. Mas não, fica cada vez mais claro que estes grupos tem envolvimento direto não só com as policias como políticos e milicos, especialmente aqueles dos setores mais reacionários.

Nessa segunda-feira sem lei fui assistir um show do Los Hermanos no Teatro Rival. O show tava vazio porque a mãe da maioria dos fãs dos marmanjos não os deixaram sair de casa, mas o show foi lindo como sempre, armadilha infalível. Saí de lá com uns amigos da E-Zine bem alegrinho e decidido que a festa não podia parar. E foda-se que aquele tinha sido um dia escroto, era noite e a noite é dos loucos, que pra esses caras são tipo uma clientela e pá! Fomos pro Ball Ruim onde rolaria um show do Arnaldo Antunes. Rolaria, chegamos lá e a muvuca na rua até nos fazia pensar que o show estava rolando e bombando, mas na real era um monte de gente indignada porque o Ball Ruim recebeu um telefonema dizendo que “se o show rolasse iam passar metralhando geral!!!”. Porra! Aí eu fiquei puto! Duvido que alguém do Dona Marta tenha ligado pro Ball Ruim pra dizer isso… Peraê… Será que eles leram a respeito do show no Rio Fanzine!? Sei lá…
O Quarteirão todo tava fechado, até o Teco Taco e Fornalha! Porra! O Fornalha é um dos poucos estabelecimentos 24hs da região de Botafogo Valley que nunca nos decepciona! Ninguém merece isso! Reunimos um grupo de pessoas bem-dispostas e fomos até Copacabana, na esperança de que a tenda da coca-cola light, montada em frente ao copacabana palace para oferecer rega-bofes aos convidados do Festival de cinema, estivesse rolando. Estava! Ahá! Nada pode parar o cinema nacional!!!

A festa estava um fracasso para os padrões do festival, mas logo foi reunindo malucos de toda parte da Zona Sul, cada um com sua história de programa frustrado. Todos lá bebendo as custas da coca-cola e da BR e discutindo política, corrupção e eleições… política, corrupção e eleições…
***

Voltando ao centro da cidade, no fim do primeiro dia de filmagens de “Monstros L.A.P.A.”… Tava pra começar “Hollywood, Hong Kong”, interessantísimo midnight movie sobre um cafetão que comanda um serviço de putas via internet de um barraco numa favela de Hong Kong. Excelente filme cheio de orientais vestidas de colegial, ruídos de ICQ e carne de porco, pena que outros porcos não deixaram a gente ver o filme até o final. Se durante o dia todo os Inumanos estavam pagando mico, chegara a minha vez.

Invadimos o cinema cheios de tralha, mochilas, toca-fitas, uma bolsa enorme com roupas e a lança zulu de dois metros. Nos direcionamos pro cantinho do mezanino do cinema, onde ninguém vai e a gente pode conversar numa boa, sem atrapalhar ninguém. Assim que começa o filme uns seguranças aparecem e dizem que nas cabines por ordem da gerência só de pode assistir os filmes lá embaixo. Nós dissemos que estávamos lá em cima porque gostavamos de… conversar durante as sessões… comentando o filme e tal! Coisa de crítico! E lá embaixo estava lotado e a gente não queria incomodar ninguém. Não colou!!!

Decemos e sentamos na última fileira, relativamente isolada e começamos a curtir o filme. O filme tava ótimo e lá pela metade vimos que tava na hora de queimar uma conversa. Lá mesmo, lá embaixo, foda-se! Todos aqueles criticos e filões estavam acostumados a isso mesmo então nem existamos. Bem, quando nosso papo chegou na ponta vimos aquela lanterninha lá longe, dispensamos o papo-furado e prestamos atenção no filme. O segurança, um babacão de olhos azuis e cara de boneca só passou encarando-nos, e saiu da sala. Uns dez minutos depois ele retorna.

- Desculpe-me, mas a gerência quer que vocês se retirem da sala!
- E porque isso!? – respondi sem me mover do lugar!!
- Ordens da gerência!!!
- Escuta amigo! Eu tou trabalhando aqui! Sou crítico de cinema! Por favor deixa eu ver o filme! Você está atrapalhando meu trabalho…

Meus dois amigos insistiram no caô e o segurança deu o fora da sala mais uma vez. Ainda não tinhamos chamado muita atenção das outras pessoas que lotavam a sala. Daqui a pouco o segurança retorna com um sorriso maléfico e eu já presenti que aí vinha merda, mas não mudei meu descurso…

- Tem gente lá for a querendo falar com vocês!!!
- Foda-se!! Eu preciso ver esse filme, e não sei do que você está falando!!!

O cara saiu denovo e em menos de cinco minutos retornou com dois ratos fardados de cinza. É claro que o papo já tava malocado há muito tempo. O PM mais coroa, com a pistola na mão foi logo dizendo

- Todo mundo aqui pra fora!
- Ihhh… Qual é!? Que que a gente fez!???? – tentou argumentar algum de nós, ainda sentado.
- PRA FORA PORRA!!! – Disse o PM, em voz alta apontando a arma pra gente, enquanto o lanterninha ofuscava nossa visão jogando a porra da lanterninha na nossa cara e tudo que eu conseguia ver atrás da silhueta do PM era toda aquela massa Cult revirando-se nas poltronas pra me encararem assustados… Puta que pariu! Eu não ia deixar barato!!!
- Eu sou reportér do maior jornal do Estado!!! Tou fazendo meu trabalho! Me deixem em paz porra!!! – Dizia enquanto saia do cinema carregando minha tralha e puto da vida, sem mentiras, apenas pontos de vista!

Uma vez fora da sala, os canas queriam nos fazer entrar numa salinha apertada do cinema, para dar uma “geral”. Que merda! Mas que segurança cuzão é esse que chama a polícia!? Aposto que ele fez isso passando por cima da gerência do cinema, porque tudo que estes queriam era prender alguém na sua sala numa sessão cheia de jornalistas. Ahhh não! Eles pediram! Agora a gente tinha que fazer um escandalo! Eu e Babão partimos pra essa estratégia!

- Ihhh… Que revistar que nada!!! Diz aê! Que que a gente fez de errado!?
- Vocês sabem! Agora entrem lá na salinha antes que…
- Cês tão ferindo meus direitos de cidadão!!! Vocês não podem nos tirar do cinema assim!
- A gente pode efetuar uma revista sem mandato!!! Se vocês se recusarem a gente pode levar vocês pra delegacia onde eles vão fazer a revista de qualquer jeito! E eles vão achar!!!! – Dizia o PM mais velho, baixinho e com cara de nordestino.
- E lá é delegacia legal!!! Lá não tem essa de papo!!! É artigo desseseis – Completava o outro rato, preto e barrigudo.
- Vocês querem revistar a gente é isso!??? Então revista porra!!! – Disse o babão em voz alta colocando as mãos na parece e abrindo as pernas como naqueles seriados gringos que eles se amarram.
- É revista a gente porra!!! – Disse eu, abrindo a minha mochila cheia de câmeras, lentes, cadernos, filipetas, rolos de filme e uma porrada de lixo e tralha – Agora revista e me deixa voltar pro filme porra!
- Tá bom! Tá bom! Tá bom! É o seguinte!!! Vão embora daqui!!! Vão embora! Só não voltem pra ver o filme… - Dizia o PM, já de saco cheio, vendo que a gente não se assustava fácil. Nessa o panaca do segurança do cinema já tinha entrado e saído da sala duas vezes procurando o papo dispensado.
- Ah! Qual é!!! Eu tenho que ver esse filme… eu Sou jornalista! Trabalho no maior jornal…

Queria voltar pra ver o filme porra! Mas não tava colando! Lembrando daquele episódio do Hunter Thompson no Rio de Janeiro resolvi não insistir. Ah sim! Parece que por volta dos anos sessenta o Thompson passou um tempo aqui na cidade maravilhosa fazendo um trampo de correspondente, sei lá! No site da Araciça tem até uma foto dele no Leme. Dai parece que num certo dia ele e um amigo idiota descolaram uma arma e resolveram atirar nuns ratos num terreno baldio perto de uma favela, a porra do Thompson é fascinado por armas, a favor do armamentismo civil e o caralho! Não demorou pra neguinho chamar a polícia, porém o Thompson malandro que é dispensou a arma antes de ser preso, no entando chapado que é esqueceu umas balas no bolso. Parece que ele foi interrogado por horas na delegacia do turista e no final da história conseguiu desenrolar e tava com os pés em cima da mesa brindando com o delegado. Foi nessa hora que as balas escorregaram de seu bolso e ele foi deportado devolta pros Estados Unidos. Parece que ele não pode voltar aqui nunca mais. O Brasil é foda! Estraga qualquer um! Ate o Batman!
Eu certamente não queria dar uma de Thompson depois de ter me safado tão bem, então resolvemos sair do cinema.

Quando pisamos na cinelândia, do lado de fora do Odeon, os PMs brotaram mais uma vez. Só que desta vez eles se aproximaram num tom de voz diferente, bem mais tranquilo e malandro. Diferente da cagação de autoridade que mostraram no hall do Odeon.

- Porra! Vocês acham mermo que a gente ia prender vocês por causa de um baseadinho!??? Vocês quase estragaram tudo! – Diz o PM mais velho!
- É! A gente queria que vocês entrassem na salinha pra dizer isso! Sabe como é, na frente de todo mundo a gente tem de cumprir nossos papéis!! – Completa o barrigudo!
- Se liga! Já são quase seis horas! Daqui a pouco meu parceiro aqui vai pra casa encontrar com a mulher e os filhos! Você acha mesmo que ele quer ir pra delegacia prencher B.O.? Isso leva tempo pra caralho!!! – Continua o coroa.
- Faz o seguinte! Não voltem no cinema hoje não porque senão aquele segurança babaca vai ficar enchendo o saco! Pega esse baseadinho e vai fumar por aí!!! Porra! Fumar no cinema é sacanagem! Tanto lugar maneiro por aí… – Emenda surrealmente o gorducho!

O que mais a gente podia fazer do que sair de lá dizendo “valeu… valeu…”. Dai a gente dobra a esquina e se caga de rir. A gente perdeu o filme que tava bom pra caralho! Mas pelo menos uma vez na vida a gente virou o joguinho de gato e rato dos canas. E o melhor da história é que o PM concorda que o segurança do cinema é um cuzão e que não vale a pena perder tempo prendendo maconheiro. E a porra da televisão dizendo que a gente é culpado pela “audácia do narcotráfico”. Fala sério…

Voltamos a ter problemas com os canas no último dia da filmagem, quando gravamos a cena em que o detetive Ênio arremessa o Heron de cima dos arcos da Lapa. A gente queria filmar no fim do dia para aproveitar melhor a luz, o que a gente não contava era que essa é a hora em que mais passa bonde pelos arcos e que ia chover pra caralho no dia. Portanto, além de ter de proteger a câmera da chuva e ficar carregando uma besta de madeira e um boneco do tamanho (e do peso) de uma pessoa pra lá e pra cá em cima dos arcos ainda tinhamos que esquivar do bonde a cada cinco minutos. Como? Apoiando-nos numa gradezinha muito fuleira e encolhendo a barriga pra dar espaço pro bonde sempre escoltado por um cana que olhava bolado.

Numa dessas o cana barrigudo pede pra parar o bonde apontando-nos a pistola.

- Que porra é essa? Que que cês tão fazendo aqui!?
- Errr… uma filmagem senhor! A gente é do grupo de teatro da fundição progresso!!!!
- Sei… Ei! E que porra é aquela na mão dele? Uma besta!? Me dá essa besta! Isso e arma branca!!!
- Na besta do meu avô ninguém toca – disse o Juca, dono da besta, abraçando-a.
- É do avô dele… estamos usando na filmagem… Essa porra nem tá funcionando…

O cara acabou dispensando-nos. Mas não seria nosso único encontro desesperador do dia, mais tarde quando tava chovendo pacas e resolve,mos gravar o Ênio arremessando o boneco de uma vez rola o climax da filmagem. O Ênio tava em cima dos arcos com o boneco e o Juca. Como só eu que tenho celular nesta merda a comunicação era feita aos gritos mas mesmo assim o Ênio não conseguia (nem tava afim de) entender muita coisa. Quando ele chegou na arcada que tinhamos escolhido e começou a erguer o boneco avisei o horror! O horror!! Quatro policiais fardados vinham caminhando do outro lado dos arcos a caminho exatamente do pico onde o boneco ia cair. Eles não tinham visto o Ênio e tavam caminhando tranquilamente em fila indiana, imaginando o desastre que poderia acontecer se o boneco caisse do lado, ou em cima de um deles tratei de avisar o Ênio pra não jogar o boneco, mas sem desespero pra não chamar atenção dos policiais.

E o Ênio não ouvia nada… Felizmente o Juca se ligou nos policias e avisou o Ênio que segurou o boneco por alguns segundos mais, o tempo exato dos policiais passarem por debaixo dos arcos, sem perceber nada. Mas daí o bonde aparece e o Ênio liga o foda-se e joga o boneco. A filmagem ficou linda, e os policias viram tudo. Eles ficaram parados olhando pro boneco, em estado de choque e depois viraram as costas, entraram num opala preto sem placa e sairam na contramão.

Se eles não tivessem que matar alguém na baixada nesse dia a gente tava fudido!

***

Tamos lançando o clipe, mostrando o underground do rio pro planet, mostrando como os cariocas provam que dá pra ser original e criativo no hip hop. Que dá pra falar de tudo sem ser da maneira de sempre. Hoje os Inumanos invadem o Hutus nessa função. O Hutus rola há três anos e já é o maior festival de rap do país, esta vai ser a primeira edição onde o rap carioca vai ser representado por outros artistas além do MV Bill. Uma revista gringa de hip hop fez uma matéria ótima sobre o gênero no Brasil e principalmente no Rio, além das fotos do Aori, do Bill, do D2 e do Bernardo a matéria abre com uma fotona de uma mina de top, short, chinelo, uma metralhadora e um pente enfiado dentro do short. Tem informações muito interessantes e precisas sobre as facções, os proibidões (“the song “fogo no x9” or “bur the informer”) mas também tem umas viagens… Coisa de gringo.

O Hip Hop florece nos quatro cantos da cidade, mas lamentavelmente quem mais enriquece são meia dúzia de produtores pit-boys com dinheiro pra investir e uma massa de playboys idiotizados pela imagem de DMX e Snoop Dogg travestidos de marcas caras e terjeitos rídiculos. Há histórias de amigos MCs que foram convidados a trocar um papo com os “jovens empreendedores”, o termo que a mídia usa pra chamar esses filhos da puta de amanhã. O papo foi mais ou menos assim:

- Tu Sabe que o Hip Hop tá na moda. Acredito que é um mercado que dá pra gente explorar ao máximo nos próximos três anos, então eu tou te chamando pra te ajudar, já que tu tá nessa a vários anos. Ma santes queria tirar umas dúvidas me diz, Cidade Negra é hip-hop? Planet Hemp é hip-hop? Max de castro é Hip Hop? Nando Reis é Hip Hop???

Sem noção… e sem contar que a tal da “ajuda” é tipo um cachêzinho de cinquenta merréis… Mas a gente vai sobrevivendo, a boa das quintas feiras agora no verão é o projeto COLISÃO que inaugurou com um show do Inumanos e “Os camisa Preta” (banda formada por roadies do planet hemp e outras bandas, já repararam como os roadies sempre usam camisa preta?), o próximo é do Quinto Andar com o Cabeça. Nada pra isolar, só pra somar!

Eu já disse que nesta época do ano elas estão descontroladas? Estão mesmo… A cada ano que passa esta época tras mais alegria e confusões relativas a essas belas e queridas espécimes da natureza – as mulheres. Estes meses foram fodas, quando eu consegui me libertar do bolo de figurinhas repetidas que vinha colecionando no decorrer do ano e encontrei uma menina com quem achava que ia conseguir dar um gás num relacionamento eu saio pruma balada e esbarramos com umas cinco figurinhas repetidas que me dão a certeza que não dá pra deixar de ser Matias Maxx. Dispenso essa relação possessiva e insana pra conhecer uma outra mina bem mais relax e ir vivendo o verão, aquela preciosidade do passado volta a me dar bola e ao mesmo tempo que eu me dou conta de como ela cresceu tenho a certeza de que a gente só não deu certo porque eu tava começando a ficar Matias Maxx desse jeito… E eu vou te dizer que adoro essa mina, e não me arrependo de nada que fiz na minha vida!!!

***

E pensar que outro dia um reporter aê me fizeram ficar passeando na lapa fingindo estar filmando, enquanto me filmavam com uma Betacam dez vezes maior que minha Mini-DV… Pelo menos mamãe viu e ficou orgulhosa…

É isso! Falei demais! Mas é pra esse povo que lê Info Exame demais não reclamar…

8.11.02

HUSTLE HUSTLER

Chegou o horário de verão, o que quer dizer que tenho mais uma hora de dia, visto que quando não tem mais nada de interessante pra fazer de manhã (como trabalho ou cabine de cinema) eu acordo pra lá de meio dia. Mas venho aproveitando esta escaldante primavera pra pegar um grau lá no nove na companhia de minhas deliciosas amigas modelos e apresentadoras de TV. Mas as coisas nem sempre ocorrem como a gente quer, e quando faz sol você tá trabalhando e na semana em que você tá de bobeira e resolve se largar na praia de segunda a quinta (tu acha que eu sou maluco de ir na praia no finde?) chega na terça e começa a chover, mas pelo menos eu não ia ficar de bobeira, visto que tinha um trampo pra fazer.

A Rebecca do Greenpeace e o Ricardo Oll Dog estavam de passagem no Rio, trazendo consigo a chuva e a missão de colher uns depoimentos em vídeo de celebridades para sua campanha contra a extração ilegal do Mogno e eu ia fazer os stills. O Mogno ao que parece é uma árvore ameaçada de extinção cuja madeira valiosissíma movimenta um esquema cavernoso de tráfico. Parece que os próprios indios cortam a porra das árvores seculares e as vendem por tipo oitenta dólares e elas saem do país clandestinamente via Belém a uns U$1500. Os móveis são vendidos na europa por uma fortuna surreal. Além de não pagar imposto algum esse tráfico degrada legal nosso ecossistema, e tudo isso só acontece porque não tem uma fiscalização decente na amazônia e fronteiras. E todo mundo sabe que onde passa madeira, passa brizola, heroína, ak-47, Farcs e o escambau. Maconha não, maconha neguinho planta em qualquer armário com uma lâmpada!

Encontrei com a galera no apê da Camila Pitanga no Leblon. Muito simpática ofereceu o mate natural que ela mesmo fez.

- Muito melhor que o de copinho… eu que fiz!!
- Só! O de copinho além de ser cheio de química ainda vem dentro de um plástico!
- Pois é! Não tinha pensado nisso…
- Veja só… eu vou no nove direto… lá o pessoal tira mó onda com suas tatuagens e pose de “geração saúde”. Mas porra!!! O copinho de todo mate e guaraplus que esses filhos da puta bebem acaba na areia… Lamentável! Estraga toda a pose que essa “juventude” quer ter… eu pelo menos sou junkie assumido e bebo cerveja… e latinha tá cheio de vagabundo querendo catar… as vezes o próprio cara que te vende fica enchendo o saco de dez em dez minutos pra ver se tu já terminou…

Eu ia agradecer pelo Mate dizendo que tava tão delicioso quanto ela, mas uma voz dentro de minha cabeça me freou: “Segura a onda! Vai ter outra chance!”.
Vestimos a menina com a camiseta da campanha e começamos a entrevista. Tão simpática quanto indignada queria saber porque que a gente não usava o SIVAM pra controlar esse e outros tráficos (afinal não é isso pra que ele serve?). O sorriso dela me enfeitiçou tanto que nem lembro direito da entrevista, sei que ela disse que queria conhecer a amazônia, que todo mundo devia pressionar o governo para preservar o que para muitos cariocas como ela parece um paraíso distante, mas que tá ameaçado.

De lá voltamos pra Botafogo Valley onde encontramos o Seu Jorge num estúdio fotográfico, ele vestia uma camiseta com a ultrasonografia de sua filha estampada – Olha só! Já dá pra ver o narizinho achatado – dizia a mãe, feliz com seu barrigão. O Seu Jorge eu sempre esbarrei nas noitadas, tipo na época em que eu começei a fotografar, a época do Farofa Carioca que surgiu como um negócio bem legal, misturava os ritmos que faziam a cabeça dos verões maconheiros do rio de janeiro com uma levada pop. O grande pecado foi embarcar com outros grupos numa viagem erradíssima de chamar o antes indiscrítivel som de MPC (Música Popular Carioca), rótulo tão sem vergonha quanto pretencioso, pra completar o disco que gravaram não era tão bom quanto os shows. Não demorou pra começar a incomodar, não a música, mas o que ela representava, daí pra gravadora jogar no congelador foi um passo. O triste destino de toda banda que não consegue seus cem mil de cara.

Eu já me diverti bastante em alguns shows do farofa (teve uns no horto junto com a bateria da mangueira em pleno carnaval que foram foda!) e sempre admirei a voz do Seu Jorge mas como já disse não curtia o que ela representava. Aquele pessoal da PUC travestido de hippie dizendo que “preto é lindo” e sacaneando a empregada. Não levava fé no cara por conta dessa história de MPC até conhecê-lo legal viajando para Belo Horizonte com o MD2 e Funk Fuckers. Foi uma viagem de ônibus, bem naquela astral “rock’n’roll is coming to town”, peguei o ônibus com os Funk Fuckers lá no estúdio Casa 3 em copacabana e fomos buscar o bonde do Marcelo na Zona Norte, eles tinham acabado de abrir um show pro Bezerra da Silva e tava todo mundo muito louco trazendo vários brindes do camarim. Quantas horas são até Belo Horizonte!? Eu não sei! A gente deve ter demorado o dobro de tantas vezes que paramos pra fazer refill no estoque de cervejas. Bandejas e cigarros suspeitos passeavam pelo ônibus que além do pessoal das bandas trazia um uns bicões como o Formigão, um mano que até hoje não sei o nome, o Seu Jorge e Matias Maxx, lógico. O Seu Jorge fazia uma participação no show do Marcelo, tocando um sambinha no violão, e foi o primeiro a perceber, de manhã, quando todo mundo tava tentando dormir que chegamos em BH, tratando de acordar todo mundo gritando – vamos abrir a loja! Vamos abrir a loja!

Na volta, sentei do lado do cara que veio tocando vários sambas obscuros que pareciam até Funks Proibidos e rimos bastante. Mudei totalmente minha opinião a respeito dele que um par de anos depois lançou seu disco solo no Humaitá Pra Peixe, nessa ocasião eu tava preparando um fanzine pro festival e fui entrevistá-lo junto com uma amiga que tava tocando o caô comigo. Ele tava morando numa cobertura no Flamengo, de frente pro morro azul e logo de cara colocou pra gente “Garota Zona Sul” da Jovelina Pérola Negra que ele apresentou como tia sua.

“Ai que vontade que eu tinha de ter um carango joinha,
e morar na Vieria Souto… Ou em copacabana!
Só de motocicleta Honda e muita grana…”

Fiz umas fotos dele largadão numa cadeirinha de praia na cobertura enquanto o entrevistávamos entupindo-nos cerveja. Assim que a entrevista e a cerveja acabou ele pediu pra que eu descesse pra comprar mais, falou isso com uma cara de safado singular, afinal a mina com quem ele ia ficar a sós por alguns minutos não era de se jogar fora. No final das contas acabei descendo umas duas vezes mais e ficamos bebendo noite adentro, até uma dessas apresentadoras de TV tocar a campainha pra uma visitinha surpresa. Tá bom… Por essas e outras que deu a maior felicidade ver o cara de cabelo dessarumado empunhando um fuzil na pele do bandido-mocinho Mané Galinha no campeão de bilheteria “Cidade de Deus”.

Hustle Hustle Hustle Hustle…

O depoimento do cara a respeito do mogno foi legal. Ele olhava e apontava pra câmera com a autoridade das ruas cobrando do governo a tutela da região e comparava os biopiratas ao beira-mar. O cara diz que seu trabalho solo é puro Bebeto, que eu desconheço, mas identifico o Jorge Ben. Pretinha… Pretinha…

Hoje vou ver o Planet Hemp, uma das poucas bandas boas desse país que consegiu o respeito de cara e moral na gravadora. Não fazem tantos shows quanto essas outras bandas que tão na TV, até porque pelo papo e trilha deles neguinho não deixa e também não tem tantos discos. Mas também não tem discos ruins e faz parte da história de uma cidade e da música de um país. Diferente do que muita gente idolatra por aí certo de que vai se envergonhar daqui a uns vinte anos…

Pena que o show é na Barra.

Ah! Mas o que importa é que eu fiquei com uma foto da Camila que eu mostro pros amigos que vem aqui em casa dizendo que “é minha nova mina”.
E alguns manés caem!